por Regina Wielenska
"Quando eu tiver tempo…
Se eu pudesse, eu viajaria.
Quando eu me aposentar, vai ser tudo diferente.
Eu adoro, mas não tenho tempo para fazer massagem."
Assim levamos a vida, num eterno adiamento. Não tenho certeza se a raiz do problema está na falta de tempo, oportunidade, dinheiro: as justificativas podem servir a diferentes funções.
Por exemplo, Mariana relata que não tem tempo para massagem, mas se dedica ao impensável: trabalha até demais, cuida da casa e da família (marido, dois filhos, cachorro e peixes de aquário), leva a avó ao geriatra, é voluntária numa ONG, cursa um MBA aos sábados. Qual a natureza do "tempo" que lhe falta para uma relaxante sessão de massagem? Parece que dispor do seu tempo e esforços em prol de obrigações e do preenchimento das necessidades de terceiros é louvável.
Todo mundo sempre diz o quanto ela é ótima, amorosa, eficiente, dedicada ao mundo. Sente-se valorizada pelo seu comportamento de sacrificar-se, e com um sorriso nos lábios. Interessante é indagar se alguém a valorizaria por passar uma hora fazendo shiatsu. A única justificativa louvável seria as dores na coluna. Nesse caso, a massagem terapêutica seria uma forma de Mariana retornar mais rapidamente àquela vida corrida. Subjacente à suposta falta de tempo, oculta-se o conflito entre cuidar dos outros, e ser amada por isso, ou cuidar de si com o mesmo zelo e empenho que dedica aos outros, sob risco de ser criticada pelo que deixou de fazer.
O empresário Celso imagina todas as pescarias, viagens, trabalhos de marcenaria que poderá fazer depois que se aposentar. Na edícula montou uma pequena oficina, que acumula poeira enquanto seu criador não arranja tempo para manejar serras, tornos e plainas. Enquanto a oportunidade não chega, ele passa cinqüenta horas por semana na empresa, fica anos sem férias com duração maior do que a emenda de um feriado (sempre agarrado ao celular corporativo), almoça em fast food, dorme menos do que seu corpo pede, e não se entende porque aos 45 anos está hipertenso. Não tem ideia de quem são os amigos dos filhos, desconhece os desejos da mulher, dedica-se ao papel de provedor material. Conforta-se sonhando com a vida boa futura, mas há risco de um enfarte fulminante dar cabo desses planos, bem antes da ansiada aposentadoria.
Transformar hoje certos aspectos da vida exigiria reconfigurar o quadro todo, as relações familiares, seu papel na empresa, descobrir o sabor da slow food. Não seria agradável constatar sua menor importância para o andamento da empresa. E talvez precisasse identificar a incomunicabilidade com sua família, a dependência química do caçula, a alienação da esposa (que vorazmente faz compras nos shopping centers). Sua identidade está atrelada ao papel executivo, mas este é apenas um estágio da vida, uma circunstância qualquer. Aposentado, ele seria ex-CEO, e o que mais? Fazer arte em madeira seria um jeito disfarçado de afirmar, para si mesmo, que se ater obsessivamente a algo sólido (trancafiado na oficina, junto com máquinas e toras de madeira) será o novo caminho da felicidade. E, sem notar, vai continuar isolado da família e de si próprio (será adepto da pescaria no Pantanal, com muita cerveja e pouco peixe) depois de aposentado.
Seria ingênuo demais dizer que basta "querer" para que consigamos mudar, no aqui e agora, esses padrões de comportamento rígidos e traiçoeiros. A sociedade valoriza a abnegação, o arrojo e dedicação dos homens que capitaneiam empresas, evitando naufrágios nas turbulentas águas do Mar do Capital Financeiro.
Mulheres abnegadas, por sua vez, são elogiadas por se dedicarem aos outros, e são cobradas ao excluírem alguém de seus atentos cuidados. E assim uma mulher descobre que se passaram quatro anos desde seu último exame de prevenção do câncer ginecológico.
Então… fazer o quê?
Seu tempo é hoje
O músico Paulinho da Viola afirmou, num documentário, que seu tempo é hoje. Eis um instigante ponto de partida. Afinal, o passado é história, o que ocorreu antes certamente nos influenciou de algum jeito, mas não podemos intervir diretamente sobre o que já se foi. O futuro, por definição, é um tempo no qual nunca estaremos. É tentador atribuir a esse porvir a possibilidade de uma vida melhor, com significado, bem-estar, mesmo que lidando com problemas e desafios.
Primeiro passo: reconhecer que só temos o presente como recurso transformador.
Segundo passo: identificar áreas de luz e sombra em nossa existência. O que anda bem? O que foi negligenciado? Quais frutos provavelmente vamos colher com as sementes plantadas hoje?
Talvez seja hora de introduzir um terceiro aspecto: quais valores básicos norteiam nosso estar no mundo?
Áreas como relacionamento com o eu e com os outros, cuidados com o organismo, preocupações sociais, princípios éticos, estes são alguns dos campos sobre os quais podemos refletir pra valer. Pensar nos cansa, dá trabalho, exige disciplina e coragem.
O quarto passo: seria comparar a congruência entre o que fazemos e os valores que nos seriam mais caros. Acho essencial cuidar da saúde, e por isso auxilio todo mundo, exceto a mim mesma. Minha vida tem sido dedicada a prover financeiramente o que há de melhor para a família. Mas quando há espaço para as defesa de valores como intimidade, cumplicidade e reciprocidade nas relações com mulher e filhos?
Por fim, chega a hora de redefinir as ações presentes, torná-las mais compatíveis com os valores essenciais, propiciando a colheita de frutos sumarentos, nutritivos e doces. Definir pequenas metas, realistas, palpáveis. Experimentar caminhos, novas formas de ação, sem receitas prontas. Se errar, que não seja porque irrefletidamente um homem repetiu velhos padrões, mas porque buscou novas soluções para os velhos problemas. Fugir do escapismo, dar passos pequenos, manter como norte o que valorizamos profundamente e com o qual estabelecemos um compromisso, este é o começo da transformação.