por Angelina Garcia
– Vai, pega logo meu casaco.
– Mas você nem tomou o café da manhã direito.
– Não está vendo que estou atrasado!
E o “ele detesta chegar atrasado” foi suficiente para que Dona Adriana justificasse a falta do “por favor” e de uma resposta um pouquinho mais delicada à sua preocupação de mãe. Dizia a si mesma que não dava importância, pois conhecia a fama do seu garoto de rapaz bem educado. Ficava toda orgulhosa quando ouvia de gente de fora “você tem um menino de ouro”.
Tinha, sim. Responsável, disponível, agradável, tudo de bom, quando tratava com estranhos, mas com os de casa transpirava mau humor.
Acostumamo-nos a pensar que é comum o fato de se despejar descontentamentos nas relações familiares. E por ser comum, deixamos passar, mesmo que, no fundo, os dois lados possam se sentir incomodados.
Palavras e gestos agressivos não são dirigidos apenas aos pais por seus filhos em idade que entendemos como de rebeldia, de auto-afirmação. Acreditamos que essa fase passa e eles se tornarão doces criaturas, também com a família. Pode não ser bem assim. A questão é levar esse modelo vida afora, é continuar achando normal, aceitável, que sua casa, seu lar, seja um espaço aberto às suas irritações.
Alguém poderia perguntar: – mas se eu não explodir em casa, vou explodir onde?
É verdade que as exigências do dia a dia, profissionais, sociais, familiares, deixam-nos de tal forma esgotados que passamos a enxergar como única opção de escape as relações mais próximas, cujo afeto julgamos não correr o risco de perder, mesmo sendo grosseiros. Controlamos palavras e atitudes com estranhos, mas, em casa, soltamos os cachorros. Talvez até porque eles ficaram presos durante muito tempo.
Existem, entretanto, maneiras mais amenas de lidar com a situação. Quem se sente acuado pelo dia que já foi, ou que virá, precisa deixar isso claro àqueles com os quais convive. Antes da resposta atravessada, diga, por exemplo, que naquele momento não está disposto a conversar, que está precisando de um tempo, que está com o pensamento voltado a um foco determinado e não quer perdê-lo. Assim poderá mostrar que seu recolhimento diz respeito a coisas próprias e não ao outro.
Da mesma forma, devemos estar atentos às necessidades momentâneas de quem temos por perto. Experimentamos processos diferentes ao digerir nossas questões e nem sempre estamos dispostos a dividi-las. Embora não seja nossa obrigação saber o que se passa com o outro, somos capazes de reconhecer a hora do silêncio. Que o nosso lar seja o espaço onde possamos nos fortalecer para os demais contatos.
Seria bom que Dona Adriana fizesse, sim, questão de ser bem tratada. Esse limite poderia contribuir positivamente na constituição da futura família do filho.