Por Dulce Magalhães
Seria muito mais fácil se pudéssemos fazer mudanças sem mudar nada em nós mesmos, não seria?
Contudo, não dá pra mudar sem mudar. Mais que isso, não é possível habitar a realidade mutável em que vivemos, sem sofrer mudanças. Simplesmente é inevitável.
Imaginemos a mamãe águia com seus filhotes em um ninho, no topo de uma alta montanha. Cabe a ela a tarefa de empurrar, no tempo certo, seu pequeno filhote para o grande abismo. Parecerá cruel à pequenina águia, que resiste com todas as suas forças, ser empurrada pela própria mãe, para o pior dos seus pesadelos, a queda no abismo profundo.
A aguiazinha não deseja esse momento, ao contrário, teme-o a ponto a enfrentar a força de sua mãe e todas as forças do universo, que lhe conduzem ao seu destino de águia, para evitar esse primeiro salto.
Naturalmente não há energia suficiente para resistir a tão grande empenho. A queda é inevitável, o abismo existe, só restam duas alternativas, sucumbir ao pânico e, dessa forma, não encontrar as condições internas para superar esse desafio – por incrível que pareça, algumas aguiazinhas não conseguem, Darwin deu a isso o nome de seleção natural das espécies.
A outra possibilidade é superar o momento de pânico, aprender e encontrar, muito rapidamente, dentro de si, as condições para finalmente superar o abismo e voar.
Assim também ocorre com todos nós. A grande vida nos oferece sempre as condições básicas para a existência, porém sobreviver não é suficiente. Em algum momento seremos empurrados ao abismo para a queda inevitável.
Compreendendo a lição da aguiazinha temos a alternativa de sucumbir e, portanto, fracassar – algumas vezes não damos conta, é verdade, e aí a queda mata nosso espírito e aleija nossa vontade, nos tornamos depressivos, negativos, pessimistas e rancorosos com a vida. Mesmo nesse estado a grande vida não desistirá de nós e nos empurrará para novos e desafiadores abismos.
Entretanto, podemos eleger outra alternativa, vencer a barreira do pânico, olhar pra dentro, enxergar os potenciais ocultos, desdobrar asas e voar. É preciso ter a clareza que não enfrentaremos abismos para os quais não tenhamos asas. Todos os problemas, dificuldades, doenças, perdas e desafios são os abismos inescapáveis da vida. Não temos como evitar, resistir ou controlar, contudo, o abismo só existe para que nossas asas apareçam.
O que é, aparentemente, um grande problema ou uma grande dor é, de fato, o abismo onde a consciência pode mergulhar e descobrir mais de si mesma, da realidade ao redor e das oportunidades presentes na vida.
Se não é nada fácil experimentarmos esses momentos abissais, é preciso ter em conta que se não é possível eliminar o abismo, nem evitar ser empurrado em direção a ele, o que nos resta como boa alternativa é desfrutar da queda.
Reflita sobre isso. Suerte!