Como renovar as esperanças

Renovar as esperanças é o caminho para fortalecer os elos da cadeia relacional do viver

Introdução

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“O Alto revela o processo evolutivo de tudo e tranquiliza o ser humano, cuja verdadeira condição existencial é ser um elo da corrente (grifos meu).”

(Livro: Cabala e a arte do tratamento da cura. Nilton Bonder. Rocco Digital. 1ª edição. 2019. Ebook Kindle – Posição 1074, Fonte de tamanho de letra 5).

Adentramos em mais um novo ano, desta feita o ano de 2021, desejando nos esperançar, fazer melhores escolhas e nos cuidarmos e sermos cuidados com mais dignidade.

Entretanto, mal começou o ano que precisaria “ser novo”, acompanhamos um cenário de múltiplas desesperanças, sobretudo governamentais, e alarmados observamos as insanidades sendo cometidas, sobretudo, por nosso governo central, que nos fazem “tremer e temer”, por nossas vidas.

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Castelo de loucura

Não temos um líder na nação que se humilhe e pranteie diante de tantas dores e mortes vividas em nosso país, pelo contrário, do alto de seu castelo de loucura, só dá voz aos seus enlouquecidos vassalos seguidores, pessoas abarrotadas de ódio e despidos de qualquer integridade moral e social, que alardeiam, irresponsavelmente, que se quebrem os protocolos de cuidados necessários para o enfrentamento da pandemia, incitando a tuba a se aglomerar e a curtir a vida.

Vivemos um verdadeiro genocídio, e desejo, com todo meu ser, que haja justiça e que todos os responsáveis por essas mais de 200 mil mortes, que crescerão ainda mais, sejam julgados e condenados.

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Revelando minha indignação e revolta, o que torna essa primeira leitura matizada de amargura, que é necessária, para que combatamos a “apatia” promovida pelo triste cenário no qual estamos imersos, quero me dedicar agora à esperança. Afinal, tomo como absoluta verdade, o fato de que apesar dos sofrimentos, e até por eles, podemos e devemos preservar a alegria, essa disposição à vida plena, comprometida ético-politicamente com o bem-estar pessoal e coletivo.

Creio, como o rabino Nilton Bonder, que a alegria é uma forma de guerrear, e que “para vivermos o que a realidade nos propõe em toda a sua verdade, é preciso haver o inabalável compromisso de pelejar contra qualquer emoção – orgulho, luto, raiva, dúvida ou preguiça – que impeça o acesso à ilimitada e incessante alegria que brota da vida… independente das circunstâncias à sua volta”. (trecho do livro de Nilton Bonder: Cabala e a Preservação da Alegria, Ebook posição 859 e 864- Fonte 5 do tamanho de letra).

Renovar as esperanças no viver

Novo dia, nova manhã, na guerra da preservação da alegria, será importante criarmos um front psíquico de boas lembranças, “aquelas que podem nos dar esperança”, como nos diz o profeta Jeremias, de seu próprio front de sobrevivente de grandes tragédias (Lamentações de Jeremia 3:20).

E o que celebraríamos, em face de tamanho entristecimento pessoal e coletivo? Cada um precisa construir sua própria lista de “boas lembranças” e anexar a cada uma delas a libertadora e salvífica atitude de gratidão.

Mas darei alguns dos meus motes a vocês, pois eles podem servir de pistas.

Gratidão às necessárias rotinas de viver  

Agradeço e celebro a novidade que me aguarda a cada nova manhã! É maravilhoso encarar as “necessárias rotinas do viver”, com um coração que se alegra, ao raiar do novo dia, pelo fôlego da vida que em nossas narinas é soprado. Estamos vivos, o mais das vezes com saúde, e com um corpo e mente em condições, o mais das vezes funcionais, de enfrentamento dos desafios do dia.

Celebro e agradeço pelas vidas que me povoam, desde o Deus em que creio, e seu plano de misericórdias sem fim, passando por todos os que me antecederam e que, em suas lutas e desejos, permitiram o encontro de meus pais, inclusive sexual, para que eu tivesse vida. É o que chamamos, “nossos ancestrais”, foram humanos, erraram, se equivocaram, acertaram, aprenderam ou não com seus erros, mas me dotaram de “bons e maus legados invisíveis”, que se formos conscientes dessa bagagem transgeracional, poderemos nos tornar herdeiros dos acertos e grandes virtudes, perdoaremos os erros e avançaremos no forte desejo de não repetir seus equívocos.

Gratidão pelas boas escolhas: a vida sempre, em qualquer situação, é construída por autoescolhas

Celebro e agradeço pelas boas escolhas que fiz, que me colocaram em lugares de novas possibilidades e numa estrada de desenvolvimento de minhas potencialidades. Creio que a vida, sempre, em qualquer situação, é construída por autoescolhas, da mínima, à máxima situação que nos é apresentada, estejamos ou não conscientes delas.

Também busco celebrar os atalhos, e bifurcações que criei, que me levaram, muitas vezes a lugares de sofrimentos, que uso como matéria-prima para minhas aprendizagens, crescimento e para refazer planos e rotas pessoais, sempre que necessário.

Celebro os preciosos vínculos que desafiam e alentam meu viver, os “bons encontros”, aqueles dos quais o filósofo do século XVII (como me lembrava o tempo dele, minha primeira orientadora acadêmica, a professora Silvia Lane, da PUC/SP) Baruch Espinosa falava, e nos quais temos a nossa potência de ação aumentada, assim como aumentado fica nosso afeto de alegria.

Procuro celebrar também os “maus encontros”, aqueles que me frustraram e me entristeceram, e assim me “obrigaram” a viver o amargo sabor das decepções relacionais, para que eu crescesse a partir da dor, e ainda valorizasse mais os bons afetos, que sempre me cercam.

E, de maneira privilegiada, contando com uma memória fotográfica e que se expandiu bastante, ao longo de meus 62 anos de vida, celebro e ‘revisito’ as muitas viagens que fiz, e caminho, outra vez pelos lugares que visitei, sinto a alegria que experimentei naquele momento, ouço barulhos, sinto cheiros e emoções que me acompanharam. Sou grata por ter arquivado, em minha mente e em meu coração tudo isso, que me ajuda a seguir e a suportar, mesmo em distanciamento social, e impedida de viajar, o inóspito do viver.

Imagino que sua lista pessoal de gratidão e renovação de esperanças, seja diferente da minha, mas experimente pensar na sua lista, e se nunca a fez, estimulo-o a fazê-la, e você, talvez, se surpreenda, com o quanto é abençoado ou abençoada, e o quanto há para se alegrar, celebrar e agradecer.

Vamos recuperar nosso lugar na cadeia relacional da vida

Entendo que sem ‘colocarmos as máscaras por sobre nossas narinas’, em situações de turbulências, como nos advertem os protocolos de segurança dos voos aéreos, não poderemos auxiliar pessoas que estejam, em dificuldade, ao nosso lado, essa é a situação de sermos só um elo na cadeia do viver.

Por isso, iniciei a reflexão, nos convocando a novos procedimentos, em virtude das grandes turbulências que estamos vivendo. A partir da renovação de nossa alegria e esperanças pessoais, poderemos contagiar positivamente nossa cadeia relacional do viver.

Sairemos da nossa tendência humana de nos vitimizarmos pelas adversidades e pelos maus tempos; venceremos assim, também, a tendência humana de perder a potência diante do sofrimento e poderemos, olhando para o Alto, ressignificar nossa postura e ações.

Sempre em tempo  

É tempo, e ainda há tempo, de ocuparmos novas e melhores cenas relacionais, fazendo-as serem contempladas e visitadas pela celebração, pela gratidão, pelo reconhecimento e pelo perdão.

É tempo também de sacudir nossa apatia e indignação e de fazermos “barulho”, de batermos panelas e outras ações que evidenciem nossa insatisfação com aquilo que rouba a dignidade e a vida de cada um de nós.

Em tempos de pandemia, temos aprendido, a duras penas, a abraçar com os olhos e com as declarações de afeto; usemos esses e outros recursos à exaustão. Precisamos seguir com a ‘boa influência’ em nossos vínculos, que sejamos, cada um de nós, promotores de bons encontros, aconteçam eles, no formato que puderem ocorrer, já que estamos aprendendo a nos manter protegidos, assim como a manter acessa a chama da esperança.

E para terminar…

E que venha 2021, e que nele também possamos eleger canções que embalem nossa esperança. Escolhi terminar esse texto com a letra da canção, que é meu mantra, em todas as situações de agonia que atravesso, e que possamos cantá-la juntos.

A canção é “O Sol Nascerá”, do nosso mestre Cartola, que sempre soube cantar, criar e se alegrar, apesar dos difíceis desafios de seu viver, que ele nos inspire a, também, renovar nossas esperanças.

Ouça música

Fatima Fontes, Psicóloga Clínica pela UFPE, Especialista em Psicodrama e Terapia Familiar; Mestre em Psicologia Social PUC/SP; Doutora em Serviço Social PUC/SP, com Estágio de Estudos de Doutoramento no Centre Edgar Morin, Paris, Doutora em Psicologia Social, USP. Pesquisadora do Laboratório de Psicologia Social da Religião- PsiRel USP. Professora de Pós-Graduação e Coautora e Co-organizadora de vários livros: Ex: Religiosidade e Psicoterapia, Editora Roca 2008