por Roberto Santos
Desde os princípios dos tempos, o ser humano busca encontrar um significado para sua existência e, de quebra, se possível, dar um jeitinho para conhecer seu destino e disfarçadamente prever o quando e como de nossa maior certeza, ou seja, a morte.
Seja pelo I-Ching, o oráculo milenar dos chineses, pela interpretação dos movimentos, significado e força dos astros de nosso sistema solar sobre os habitantes deste planeta, seja ainda pelo significado dos números e das cartas em suas mais variadas formas e linguagens. Ou ainda, mais recentemente, seja pelos livros que trazem segredos ou ainda pelos bispos e bispas que renascem nos templos, buscamos respostas para nosso presente e futuro – mais do que respostas, queremos soluções fáceis.
Gurus das mais variadas denominações, formações e graus de integridade parecem se multiplicar em velocidade proporcional ao desespero das pessoas por respostas simples e fórmulas mágicas para entender tudo e responder a tudo. Vendem-se mais livros, expandem-se os templos, enriquecem-se os monges, e as dúvidas seguem presentes e angustiantes.
Especialmente nos tempos que circundam o dia que encerra nosso ano calendário, ou seja, 31 de Dezembro, acirram-se as consultas aos oráculos, aceleram-se as vendas da autoajuda e promessas são feitas para a mudança radical de nossas vidas começando o dito Ano Novo.
Prometemos parar de fumar, começar a fazer exercícios físicos regulares, perder aquela terrível barriguinha antes de acabar o verão, abandonar aquele amor que parece impossível, começar a investir na carreira dos sonhos, falar mais em público, começar a estudar inglês pra valer, enfim uma lista infindável que muitos conhecemos.
Isso sem contar os desejos feitos nessas datas que amarrados com distintas simpatias fazem nossas esperanças desabrocharem pelo menos nas primeiras semanas do ano e para muitos murcharem logo depois.
Promessas em vão? Comprometemo-nos e não cumprimos porque somos fracos, sem força de vontade, frágeis seres à mercê de hábitos mais fortes, vítimas de nós mesmos, de nossa herança genética, de um passado que nos condena?
Esses pensamentos facilmente levam aqueles anseios que emergem dentre os espocar das champanhes e fogos de artifício ao desânimo, frustrações e entrega à mesma rotina que nos enfraqueceu no passado. Então devemos deixar de lado nossos planos e promessas de ano novo e continuar a fazer mais do mesmo, esperando que sem fazer nada de diferente, as coisas mudem de rota? Não seria muito insano esperar por isso?
Desde o primeiro artigo que escrevi para esta coluna, há oito anos, devo ter frustrado muito leitores por não trazer respostas prontas, receitas de bolo, soluções mágicas para problemas que nunca são iguais para todos e que, muitas vezes, são de fato insolúveis, como paradoxos que são.
Portanto, sem ferir a tradição deste autor, prefiro estimular os leitores a refazerem suas perguntas que levaram às promessas e aos planos de “vida nova” no ano novo. Prefiro sugerir-lhes que façam re-promessas sem o tilintar das taças, sem o aroma etílico dos espumantes, sem o branco das roupas ou o colorido som dos rojões. Re-promessas em um dia tolo qualquer e sem nenhum significado como pode ser qualquer dia das primeiras semanas de janeiro ou fevereiro, um dia simplesmente, um dia útil ou inútil, sem feriado e sem festas.
Bem, vamos à receita…(?) Neste dia, retomem suas promessas. Se estiverem escritas em algum lugar, ótimo, e se não estiverem tudo bem também. Em seguida deletem, apaguem, rasguem, queimem as promessas que fizeram, mesmo que estivessem apenas em suas mentes.
Que tal? Ao final desse primeiro passo, vocês já não sentem um alívio do peso daquelas promessas ameaçadoras de cima de suas costas e mentes? O medo de não cumprirem com suas promessas a si mesmos não parece ter desaparecido de seus corações? Pronto, vocês estão preparados agora para as re-promessas de começo de ano!
Mas e aquela crítica deste autor às receitas e fórmulas mágicas? Era balela para trazer sua própria receita? Verdade, só que esta receita é feita de perguntas e não de respostas. O bolo sai conforme o gosto do freguês, ou pode nem sair, se assim o preferir…
O que eu mais valorizo na vida?
O que vai me trazer mais satisfação, felicidade, realização verdadeiras e profundas à minha vida: mais grana, a oportunidade de trabalhar em algo de diferente, a chance de mudar o destino de pessoas sem algum, o prazer de uma viagem inesquecível?
Desse valor mais importante, deveria sair a meta mais relevante para a vida neste e nos próximos anos. Se esta que é sua meta mais central para você no presente, não estiver entre suas re-promessas então algo está errado. Agora, se você não sabe o que mais valoriza atualmente em sua vida, talvez não valha a pena fazer promessas ou re-promessas – volte duas casas e experimente jogar os dados para começar tudo de novo.
Quem são as figuras importantes em sua vida?
Quem é que eu quero contemplar em minhas re-promessas: os pais, os filhos, os amigos, o amor que parecia impossível, os chefes, colegas de trabalho, clientes… Pode ser uma nova chance para o amor impossível, uma oportunidade para o chefe- mala que quase me levou ao desespero, uma reaproximação de amigos que a vida tresloucada separou? Ou, os mais egoístas, que contemplam apenas a si mesmos tudo bem também…
O importante que é vivemos em grupos e (quase) tudo que fazemos tem um impacto maior ou menor sobre outras pessoas, que deve ser levado em conta. Os outros podem ser a resposta a nossas re-promessas ou o obstáculo que lhes imporá limites desde seu nascimento. Precisamos contar com as pessoas, desde o momento que fazemos a re-promessa, assim como elas poderão contar conosco e irão.
E por onde eu começo a re-prometer?
Claro que primeiro pela meta central derivada da primeira pergunta, revisando-a criticamente nesta terceira fase para eliminar os devaneios do tipo: tornar-me este ano, milionário como Bill Gates, lindo como o Brad, esperto como alguns senadores, hábil nas peladas como o Neymar e outros roteiros dos viajantes da maionese.
Já com os dois pés na proximidade da superfície terrestre, precisamos pensar em aspectos que queremos conseguir em nossas vidas para tornar o resto do ano uma alegre perseguição do cumprimento de re-promessas factíveis que trarão a esperada felicidade, mesmo que apenas terrena e parcial.
Conhecemos umas três possibilidades de ação sobre nosso desenvolvimento que podemos incorporar em nossas re-promessas.
Intrapessoais
Podemos fazer re-promessas intrapessoais, ou seja, aquelas que dependem apenas de nós mesmos, como ter um maior controle de nossas emoções, mais iniciativa no trabalho, mais força de vontade para parar de comer o dobro do necessário, para gerenciar melhor o tempo e para começar a fazer o dobro do exercício de que precisamos, pra citar alguns poucos exemplos.
Essas são as mais difíceis de se cumprir, pois geralmente estão ancoradas em hábitos antigos que trouxeram e trazem prazer e conforto desde muito tempo. Se fazer algo a respeito, passou agora a ser uma meta central em nossa vida, vamos em frente e concentremos todos os esforços nestas mudanças de hábitos, lutando contra os demônios internos da complacência (“já ta bom assim…”) e do vitimismo (“eu não consigo mesmo…”).
Interpessoais
Outras re-promessas se configuram como mudanças ou melhorias em nossos relacionamentos com outras pessoas: cônjuges, amigos, chefes, colegas, subordinados, clientes, etc. Os problemas que queremos resolver nesta esfera podem ser mais recentes ou muito antigos, o que já dá uma ideia de quão fácil ou difícil será fazer alguma coisa a respeito desse nível de re-promessas.
Além do tempo em que as “roupas sujas” dessa relação se acumularam no cesto do esquecimento, temos a favor de sua potencial resolução, o fato de que elas dependem não apenas de nós mesmos para fazê-lo, como com na esfera intrapessoal. Neste domínio interpessoal, são pelo menos duas pessoas a tentarem resolver o “enrosco”.
Entretanto, não há milagre aqui também, se a melhoria deste relacionamento for tão importante em seus valores e pelas figuras que são significativas para você, então você deverá dar o primeiro passo, abrir o jogo, preparar-se para surpresas e respostas atravessadas, mas só assim se abrirá espaço para a higiene das roupas de cima e de baixo deste relacionamento. Simplesmente deixar que estas relações continuem encardidas mais um tempo não ajudará em nada esta sua re-promessa; melhor será riscá-la da lista a esperar (em vão) que a mágica por milagre lave a roupa suja.
Técnicas e práticas
Nós também temos metas centrais e objetivos que se tornam muito importantes em determinados momentos de nossas vidas e que não são tão profundos e arraigados quanto os intrapessoais ou carregados de emoções como os relacionamentos interpessoais.
Nesta categoria se encontram os estudos, a mudança de emprego, de carreira, uma viagem ou uma aquisição importante de um bem ou habilidade. Estas são as metas de natureza material ou conceitual que requerem menos de nossas relações e hábitos arraigados, mas ainda assim de muita disciplina e planejamento.
O planejamento deve ser realista na consideração dos recursos que podemos aplicar e no prazo que podemos esperar realizar a re-promessa, o que não se limita pelos dias do ano em curso. Colocar-se prazos fantasiosos e impossíveis apenas para caber no ano da promessa é pedir para se frustrar.
Já a disciplina para fazer o planejamento acontecer é a chave da re-promessa, pois se baseia mais na bússola de nossos valores e figuras mais importantes do que no calendário ou relógio das pressões externas.
Mas afinal, por qual dessas esferas eu começo minhas re-promessas?
Para não repetir a mesma tecla, de começar pelo mais importante para você, acrescente-se mais uma pergunta: devo colocar todas as re-promessas numa ou outra esfera das três propostas acima?
Considerando que o grau de dificuldade de realizar essas re-promessas vai das práticas às intrapessoais, não seria interessante escolher uma de cada esfera para não se colocar uma missão impossível logo de cara?
Afinal, emagrecer, parar de fumar, começar a fazer exercício, controlar as explosões emocionais e ser mais cuidadoso e “político” no trabalho, tudo ao mesmo tempo, como re-promessas de começo do ano, é pedir para acabar rapidinho com a alegria do Ano novo.
A escolha de uma meta mais relevante em cada uma das três esferas pode ajudar a concentrar naquilo que rará maior realização, desde que você tenha feito um bom trabalho na resposta à primeira pergunta. Parece que fazer apenas três re-promessas de começo de ano é tímido demais, pouco ambicioso e não aproveitar aquela energia de começo de agenda novinha, certo?
Pode ser… mas você poderá ter mais chances de começar a terminar um ano com promessas de final de ano cumpridas, sem ter que re-prometê-las no começo do ano que vem de novo.