Eu quero chicória! Eu quero!! EU QUEROOO!!! O pedido, que virou filme publicitário, ironiza o improvável. 9 entre 10 mães queixam-se que os filhos não comem verduras, peixes, frutas e legumes. Há casos extremos, como o da minha irmã, que não comia nem pizza. Ombros e joelhos pareciam saltar do seu corpo. Tanta preocupação, guerras travadas à mesa e, 20 anos depois, vive às brigas com a balança.
Imbuídos da crença de que crianças não têm a capacidade de decidir o quê e quanto comer, pais preocupam-se demasiada e equivocadamente com a alimentação da prole. A capacidade inata de regular o consumo alimentar, chamada body’s wisdom (ou sabedoria corporal), é um instinto natural de preservação da espécie e sobrevivência, presente em todos os seres vivos. É por causa desse instinto que um lobo recém-nascido criado junto a coelhos nunca se alimentará de cenouras.
Nos humanos, essa sabedoria é mais sensível nos primeiros anos de vida. Por isso, criança não morre de fome com comida na frente. Com o tempo, nosso instinto é confundido por complexas questões sócioemocionais. Anorexia é doença de gente grande porque é preciso tempo para acumular bagagem psíquica. Entendo que uma educação alimentar só é efetiva quando ensina a equilibrar essa tensão.
Educação alimentar às avessas
Se uma criança come para deixar a mãe feliz ou para ganhar um doce, aprenderá que a aprovação dos outros depende do quanto come ou que comida deve ser usada como autopremiação. Exemplos de uma educação alimentar às avessas.
Quando o cordão umbilical é cortado, ganhamos a autonomia de comer e o poder de aceitar e negar alimentos de acordo com nosso apetite e preferências. A felicidade da família não pode depender do que um menino de quatro anos come. Os pais podem decidir o que a criança vai comer, mas é ela quem decide o que não vai comer. Percebendo a importância das refeições para os pais, a criança as usa para chamar atenção, afirmar sua autonomia e testar seu poder. Nem aviõezinhos, nem chantagens, nem castigos, nem sobremesa, absolutamente nada a fará comer se não quiser.
Forçar alguém a comer é o maior pepino. Manter o apetite é a melhor estratégia: se a criança não comeu nessa refeição, estará com fome na próxima. Sei que parece terrível dizer a uma mãe para deixar sua cria com fome. Mas asseguro que uma criança saudável resistirá à inanição por 4 horas sem sucumbir à morte. E resistirá a 4 horas olhando um bife sem tocá-lo para ganhar uma batalha de nervos – hipótese que justifica o primeiro cenário. Mas não dê doces minutos depois a quem não almoçou. A criança só pode decidir o que não vai comer.
O quê e quando ela vai comer é assunto dos pais. E não pergunte o que seu filho quer jantar! É uma decisão grande para um ser tão pequeno. Ofereça o que acha melhor e deixe-o escolher entre as opções disponíveis.
Não discuta à mesa… Se discussões tiram o apetite de adultos, que dirá das crianças? Reformule seus hábitos alimentares se necessário. Você acredita que seu filho será um comedor voraz de alface se os pais detestam verduras? Se a família não tem uma rotina sólida, como a criança terá?
Estratégias
Crianças são curiosas e entediam-se facilmente. É natural que se interessem mais por brincar do que sentar-se e mastigar. A chave é: faça a comida ser interessante. Mostre diferentes grãos, frutas e verduras, diga-lhes os nomes, os lugares de onde vêm. Conte sobre os nutrientes e para que servem. Mostre livros sobre o funcionamento do corpo. As crianças adoram saber como as coisas funcionam! Se puder, faça uma pequena horta ou pomar com seus filhos. Quem já não ficou encantado com o primeiro broto de um pé de feijão plantado no algodão? Leve a criança à feira (aproveite para levar sua criança interior) e peça para ajudar, escolhendo cinco legumes diferentes. Desfolhe livros de culinária e elejam como serão preparados, de preferência a quatro mãos. Claro que seu filho vai querer experimentar!
Se a criança for muito pequenina, deixa-a descobrir os alimentos do seu jeito, que é espremendo-os entre os dedos e batendo em algo para ver que som faz antes de levar à língua. Criança come até barro, se envolvida de forma lúdica. A ideia é ampliar o interesse dela sobre a comida. Distraí-la com uma brincadeira, para pôr algo boca a dentro sem que se dê conta é muito diferente. Ninguém deve aprender a mastigar no piloto automático.
À mesa, desligue a TV e evite estímulos que atrapalhem a concentração. As melhores refeições acontecem quando nos entregamos à degustação e à interação. Isso inclui lanches, que não são proibidos; pelo contrário. Para o metabolismo funcionar a 100% da capacidade, deve-se comer pequenas porções, de 4 em 4 horas. Lanche só é sinônimo de trash food em pé e se os pais quiserem.
Cabe aos pais ofertar alimentos saudáveis, novos e variados, repetida e amorosamente.
Estudos indicam que precisamos comer algo novo 7 vezes para que o cérebro passe a entendê-lo como algo familiar e acolhedor.
O sabor e textura de um alimento muda muito dependendo da forma como é preparado. Assim, uma criança pode amar purê e odiar batata ao vinagrete. Portanto, experimente. Faça bolo de cenoura, suflê de cenoura, suco com cenoura e… diga à criança do que foi feito! Se a aversão à cenoura não desaparecer, pelo menos ela saberá que gosta de alguns pratos com cenoura. Isso não é o mesmo que disfarçar alimentos para a criança não saber o que come. Mesmo que os pais consigam fazê-la engolir algo, não criam nela o hábito da boa alimentação.
De vez em quando, sirva refeições só com vegetais, como um gratin de legumes. Se houver macarrão e legumes, as crianças se saciarão com a massa e rejeitarão o resto. Com pratos como o gratin, terão que descobrir quais legumes gostam. E assegure-se de que não estejam com sede à refeição, oferecendo água e sucos naturais ao longo do dia. Um copão de refrigerante enche o estômago de qualquer criança!
É oportuno saber que, na infância, as recepções gustativas de acidez e amargor são proeminentes. Crianças odeiam verduras muito ácidas e amargas porque o sabor lhes parece ainda mais forte. É um mecanismo natural de defesa à comida estragada, que apresenta amargor acre. Mas e daí se aos 3 anos alguém rejeita agrião? Aos 11, pode redescobri-lo, porque o palato se desenvolveu.
Por fim, não espere que criança coma muito. Elas comem pouco porque pesam pouco. Existem apenas duas fases em que a renovação celular é tão intensa que justifica a superalimentação: na fase lactente e na puberdade. É esperado que um bebê cheio de dobrinhas torne-se uma criança esguia.
E nada como uma apresentação apetitosa. Pense em arroz com pescada grelhada e couve-flor cozida, com suco de melão e manjar de coco. Qual é o problema do menu? É uma variação de branco! Gostar de pratos coloridos faz parte da nossa sabedoria corporal, pois diferentes vitaminas encontram-se em alimentos de diferentes cores. Não tenha preguiça de colorir e enfeitar o prato. Se faltar imaginação ou tempo, peça ajuda aos pequenos: eles terão ideias e disposição de sobra para desenhar com comida. Minha sopa preferida era a de letrinhas porque gostava de ver as palavras se formando a cada colherada.
Educar exige esforço porque ninguém dá o que não tem. Para ensinar, é preciso ser primeiro aprendiz. E somos tão analfabetos em sabedoria corporal (para não citar outras sabedorias)… Buscamos a segurança perdida em montes de informação. O homem pré-histórico não tinha TV nem Internet e comeu certo o suficiente para a humanidade continuar. Não que devamos simplesmente desencanar: para ouvir a sabedoria interior, não deve haver tensão, mas é preciso que haja atenção.
À mesa, uma criança aprende muito. Inclusive a lidar com o que mora dentro dela – o alimento mais decisivo para crescer saudável e feliz. Deus abençoe o pão nosso de cada dia.
Texto: Rosa Fonseca – experiente chef de cozinha com diversas especializações em gastronomia. Mais informações sobre culinária, orientação dietética e serviço de personal chef.