Cristianismo no Brasil: o que acontece?  

O cristianismo no Brasil, atualmente, se transformou em um ornamento, pois a harmonia entre forma e conteúdo – essência e aparência – fracassa – ao se utilizar da sensualidade como instrumento de requinte para arrebanhar ou seduzir fiéis; entenda     

Na última semana, tive contato com duas notícias muito semelhantes. Uma anunciava um evento comemorativo sobre a Semana Santa no Piauí. Tratava-se de uma encenação da Crucificação de Cristo. Nela, Jesus aparece cercado de 4 lindas mulheres, incluindo decotes sugestivos. A segunda também era um cartaz anunciando um serviço de bronzeamento para mulheres evangélicas. Ele prometia sigilo, a proibição de fotos e vídeos, além de outros cuidados próprios do puritanismo tropical. É muito provável que esse segundo cartaz seja uma montagem, mas não consegui descobrir. Porém, ele me pareceu verossímil – e isso é o suficiente.

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Em ambos os casos vemos uma tentativa de tornar o rigor da religião acessível a um grande número de brasileiros. Talvez uma tentativa de tornar popular conteúdos religiosos que, de outra maneira, não poderiam se conectar com o nosso estilo de vida. A sensualidade do cartaz que anuncia a Semana Santa claramente lança mão da aparência corporal das mulheres para propagandear a fé. No caso do bronzeamento, se trata de um tentar adaptar uma prestação de serviço que claramente não condiz com o núcleo puritano do movimento evangélico.

O que acontece com o cristianismo no Brasil?

Neles se faz concessão do conteúdo propriamente espiritual da religiosidade em benefício do convencimento das pessoas para o comércio de ingressos e de serviço. Para se tornarem efetivamente populares e acessíveis, esses conteúdos são flexibilizados e se aproximam da vida mundana de todos nós. Daí o apelo à sensualidade feminina como veículo da mensagem.        

O problema é que a forma claramente contradiz o conteúdo nos dois casos. O método de exposição e convencimento está em choque com a mensagem do sofrimento, morte e ressurreição do Cristo e com o puritanismo e a moralidade do movimento evangélico. É como se o conteúdo da mensagem – cristão nos dois casos – tivesse que fazer concessões ao modo como vivemos no Brasil. Ora, se isso acontece, é porque essa base cultural não se alterou sob o impacto daquele conteúdo.

Para o cristianismo a sensualidade do corpo feminino não é apropriada

Para qualquer Cristão, a sensualidade do corpo feminino é claramente inapropriada como veículo da ressurreição do Espírito. Cristo é justamente o símbolo da morte do corpo e do nascimento de um novo espírito, sem as fragilidades típicas desse mundo carnal – incluída aí a sensualidade, evidentemente. Então não se trata somente de não aprofundar a mensagem cristã. Se trata de uma contradição com um elemento que se tenta utilizar para despertar a espiritualidade renovada. E esse elemento é a carne – justamente a que deve morrer para que ocorra a ressurreição. O que parece ter ressuscitado aqui foi a carne.        

No caso do bronzeamento, a questão ainda é a carne. Algo que deveria estar definitivamente equacionado por uma moralidade cristã, a sensualidade do corpo feminino renasce e ocupa uma dimensão inusitada. Porque uma cristã estaria preocupada com bronzeamento, com a aparência íntima do seu corpo? Não se trata de uma preocupação com sua aparência pública, com seu bem-estar físico, com sua responsabilidade pela vida que é um dom. Se trata de sua capacidade de sedução, claramente sugerida pelo cartaz – mesmo que seja a sedução do seu varão.

Cristianismo no Brasil: uma condição artificial

Cristianismo brasileiro é como gotas de vinho diluídas em um copo de água

O que me parece claro nos dois casos é a condição artificial do Cristianismo no Brasil. Um autor já afirmou que o cristianismo brasileiro é como gotas de vinho diluídas em um copo de água. A cor e o cheiro são de vinho, mas é só. A roupa não parece capaz de recobrir a totalidade do corpo. Então se tornam naturais os decotes e a aparência sensual de partes que deveriam não estar aparecendo ou das quais não deveríamos estar nos ocupando, caso ela revestisse o corpo.         

Se lançarmos nosso olhar um pouco para trás, veremos que a tentativa de evangelizar o país não é nova. Ela é tão velha como o Brasil. E em várias ocasiões já fracassou. As notícias da atuação interessada de pastores no ambiente político está nos noticiários. Na mesma direção, podem ser observados os exemplos históricos de corrupção daqueles que tentaram moralizar o Brasil. Principalmente aqueles que se responsabilizaram pela evangelização foram os primeiros a manifestar em si mesmos a inadequação da roupa que trouxeram da Europa com o corpo que possuíam. A corrupção tem sido o destino dessa roupagem cristã.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie