por Angelina Garcia
Meses depois do rompimento, Anita continuava buscando algum detalhe que justificasse o “acabou”. Passava e repassava os três anos de namoro, sem chegar a qualquer conclusão. Ele nunca se mostrou insatisfeito, pensava.
Mesmo porque não havia do que reclamar, ela cumpria à risca os combinados, tratava a família dele até melhor que a sua, deixou de usar os saltos para não competirem em altura, e fora sempre a mais compreensiva das mulheres, caso ele esquecesse de ligar, desmarcasse compromisso na última hora, ou mudasse um plano que fizeram juntos.
Não era só isso, ela estava atenta a cada sinal para que pudesse atender aos seus desejos antes que ele os manifestasse. Nas primeiras vezes, ele achou o máximo, abria um sorriso para reforçar sua admiração:
– Não é que você adivinhou!
Ela respondia atrás de certa timidez, como se fosse a coisa mais natural do mundo:
– Pura coincidência!
Passou a acreditar nisso e, toda feliz, dividia com as amigas:
– Combinamos tanto, que ele nem precisa dizer para eu saber o que quer.
Comportamento como o de Anita pode ser identificado tanto nas atitudes do dito puxa-saco de patrão, quanto no hábito de alguns pais em se anteciparem aos possíveis desejos dos filhos. Nestes e noutros casos, quem se coloca na posição de contentar o outro o tempo todo, procura, de alguma forma, fazer-se importante, único, insubstituível, enquanto exerce certo controle sobre ele. No caso dos pais, estes ainda correm risco de ver os filhos crescerem achando que o mundo existe apenas para servi-los.
Entre outros aspectos positivos ao desenvolvimento pessoal e ao amadurecimento das relações há o prazer em elaborar o desejo, expressá-lo e se esforçar no sentido de realizá-lo. Impedir esse processo é, no mínimo, danoso, independente de como reage aquele que está sendo satisfeito. Ele pode se acomodar e tirar proveito da situação, como também se sentir pressionado. Essa pressão é reforçada pela preocupação em responder à expectativa de quem dá, à qual, na maioria das vezes, quem recebe não pode, ou não quer responder.
Empenhadas em se tornarem cada vez mais presentes, algumas pessoas não percebem que as reações de incômodo do outro vão se acumulando. Para não provocar discussões infrutíferas, ou ferir aquele que talvez só tivesse a intenção de agradar, ele prefere sair de cena, como fez o namorado de Anita; o patrão que sem mais nem menos dispensa o empregado puxa-saco; ou o filho que sem causa aparente resolve sair de casa.
Embora essa não seja a única razão porque isso ocorre, é mais um motivo.
Nesse momento vem a surpresa: “mas eu fazia tudo por ele!”. Exatamente por isso.
Sabe o anfitrião que vai colocando comida em nosso prato enquanto insistimos no “estou satisfeito”? Pois é, pensaremos muito, antes de aceitar seu próximo convite.
Então vale lembrar o velho ditado: “tudo o que é demais passa”.