por Patrícia Gebrim
Nem tudo que reluz é ouro, diz o ditado, que vem com boa dose de sabedoria popular.
O equilíbrio é a chave de ouro quando se fala de relacionamentos. Seja um relacionamento afetivo, de amizade ou até mesmo no trabalho, as trocas devem manter certa fluidez nas idas e vindas. Não que tenham que ser milimetricamente comparadas, afinal também faz parte das relações que um lado apoie o outro quando necessário, e que esses papéis possam se inverter vez ou outra, de maneira que ambos possam se dar suporte e caminhar adiante.
Mas quando uma das partes passa a doar de si mesma de forma exagerada, isso pode indicar um desequilíbrio. Cabe aqui tentarmos aprofundar os motivos que podem levar alguém a agir dessa forma.
Essa atitude de generosidade desmedida pode brotar de uma carência, uma necessidade profunda de ser amado por parte de quem doa. Talvez esse indivíduo não tenha recebido suficiente amor em sua infância, talvez nunca tenha se sentido amado, o que se torna uma ferida que nunca cicatriza. Um buraco no centro do peito que o faz sentir em constante falta.
Doar de forma desmedida, nesse caso, seria uma tentativa desesperada do ego, uma tentativa de obter de volta o amor oferecido, numa crença equivocada de que ao dar, acabaria por evocar no outro uma ação de retribuição. O problema é que não é assim que acontece. Quase sempre, sua atitude aparentemente amorosa acaba assustando e sufocando o outro, que pressente algo estranho e se afasta, seja por falta de espaço, seja por passar a se sentir incapaz de corresponder ao “amor” oferecido.
Outra possibilidade é que alguns acabem dando demais na tentativa inconsciente de obter controle sobre a outra pessoa. O que está por trás disso é o medo de ser rejeitado. Quando não temos autoestima suficiente, acabamos sempre acreditando que, à medida em que o outro vá nos conhecendo melhor, vá acabar por enxergar quem realmente somos, e consequentemente, nos abandonar. Nesse caso, os atos de cuidado e excessiva generosidade podem ter a intenção de criar dependência e obter controle sobre o outro. A ideia é que se o outro precisar de mim, não me abandonará.
Obviamente, isso também não tem grandes chances de sucesso. Quando alguém dá de si mesmo com essa intenção, mesmo que de certa forma o outro se permita receber o que lhe é ofertado e aceite ser ajudado, acaba por experienciar certo sentimento de inferioridade. Ora, se apenas um dá e o outro só recebe, é compreensível que a sensação de impotência do que apenas recebe acabe por transformar esse sentimento de inferioridade em certa raiva com relação ao doador.
Também pode acontecer, em certos casos, quando o caráter daquele que recebe é menos virtuoso, que este passe a fazer uso da situação, em seu proveito, explorando o “generoso” enquanto lhe for conveniente.
Percebam que tudo isso passa longe do amor.
Nem sempre essas questões são conscientemente detectadas. Em todos os casos acima descritos, era o ego, e não a nossa essência, que se envolvia na suposta “doação”, isso pode ser percebido porque quem dessa forma “doa”, nunca se sente em paz, existe sempre uma certa ansiedade presente, uma angústia, um medo.
Vale a pena mantermos uma observação atenta em nossos relacionamentos, buscar significados ocultos para nossas atitudes, cuidando sempre de corrigir o curso ao percebermos que nos afastamos do equilíbrio. Tudo bem escorregarmos de vez em quando. Os relacionamentos aí estão exatamente para nos ensinar. Não existe uma linha correta a ser trilhada. Vamos caminhando, às vezes mais para um lado, às vezes para outro. Mas se estivermos atentos, seremos capazes de perceber as distorções antes que destruam as possibilidades de um caminho saudável em nossos relacionamentos.
– Mas não devemos amar incondicionalmente e doar, sem esperar nada em troca? – dirão alguns.
Observem. Toda vez que uma atitude generosa brota genuinamente de nossa alma e é incondicionalmente amorosa, não causa desconforto algum, seja em nós, seja nas outras partes envolvidas.
Mas cuidado com a confusão. Aprenda a diferenciar essas ações das atitudes distorcidas e claramente egoicas, carentes e controladoras às quais me refiro neste texto.
Você pode amar uma pessoa e mantê-la em seu coração por toda a eternidade sem nada esperar em troca.
Mas quando uma relação, não importa a sua natureza, deixa de lhe proporcionar crescimento e passa exigir sua autoanulação, você tem não só o direito, mas o dever de seguir adiante, por amor a si mesmo. Ou seja. O amor permanece, mas a relação precisa ser transformada. Permanecer nesse contexto, sendo explorado ou tentando manipular o outro para obter o que se quer, é não apenas infrutífero, como um desvio do verdadeiro amor.