por Patricia Gebrim
Você já viu um baiacú?
Eu costumava ver, vez ou outra, quando saía para pescar com meu pai.
Eu sei que pode parecer estranho começar um artigo falando sobre baiacús, razão pela qual lhe peço um pouco de paciência. Para quem nunca ouviu falar, baiacús são uns peixes espinhudos, também chamados de peixe-balão, porque tem a capacidade de inchar o corpo quando se sentem ameaçados por um predador.
Bem, quando fui pesquisar um pouco sobre os baiacús, acabei tendo a divertida surpresa de descobrir que existem várias espécies … baiacú-cofre, baiacú-de-chifre, baiacú-caixão, baiacú-areia, baiacú-dondom, baiacú-franguinho, baiacú-liso, e muitos outros. Deixarei sua imaginação brincar com esses nomes no decorrer deste artigo!
O que me interessou nesse peixe tão peculiar é o fato de que ele se torna maior, criando uma falsa aparência para se proteger, o que me fez lembrar da época em que eu trabalhava na área de recursos humanos de uma grande organização.
Na verdade, era estagiária , com todo um mundo corporativo a ser descoberto. Eu olhava ao redor, para as pessoas que caminhavam decididas pelos corredores da empresa. Percebia que elas tinham o peito inchado, os passos firmes e sempre as achava tão importantes… Todo mundo parecia saber muito das coisas por lá!
Levei alguns anos para descobrir que muitos deles eram apenas baiacús assustados, tentando causar uma impressão que os colocasse em segurança. Muitas vezes chegavam às reuniões falando grosso, chegavam a ser verdadeiramente assustadores, como uma estratégia para que não lhes fizessem perguntas que não saberiam responder. Ah… como aprendi naqueles anos!
Não entendam isso de forma crítica, pejorativa ou maldosa, eu mesma já fui baiacú muitas vezes! Faz parte da natureza humana. Todos nós, em uma situação ou outra, usamos máscaras, inchamos o peito ou nos camuflamos para nos proteger. O baiacú, amigo do camaleão, nada mais é do que um peixe com medo. Pense nisso sempre que alguém lhe parecer inchado demais. É medo, só medo…
Às vezes usamos esses artifícios com tanta constância que passamos a andar por todos os lugares como se fôssemos peixes-balão, só para no final do dia chegar em casa e descobrir que nossos confortáveis pijamas já não servem. Nossos maridos, esposas… nossos filhos… reclamam que já não nos conseguem abraçar, tal o diâmetro de nosso tórax. E sentem falta da época em que rolávamos juntos e ríamos com nossas brincadeiras infantis
Um efeito colateral… quanto mais inflamos o peito em nossas lutas cotidianas, mais difícil se torna simplesmente relaxar. Mais difícil amar, e sermos amados. E se insistirmos nisso, um dia teremos que comprar um aquário gigante para nosso repouso noturno, correndo o risco de nos afastar de tudo o que realmente deveria importar para nós.
Existe um livro delicioso, cuja leitura eu recomendo, que foi escrito por Robert Fisher e chama-se “O cavaleiro preso na armadura” (Editora Record). O livro fala sobre um cavaleiro que usava tanto a sua armadura que acabou preso dentro dela. Sua esposa tinha que alimentá-lo através de um canudinho! Um outro nome possível ao livro seria “O homem que virou baiacú”.
Ok… não precisa ficar bravo comigo, quase posso ver seu peito inchando aí do outro lado da tela! Eu concordo… vivemos em um mundo onde existem predadores, não podemos negar! Às vezes pode ser mesmo inteligente agir como esse peixe tão peculiar. O baiacú, em plena sintonia com a natureza, com certeza já enganou vários peixes maiores do que ele e salvou a própria pele graças à sua capacidade de iludir. O problema é quando exageramos na dose, ou quando nos esquecemos de nossa verdadeira natureza.
Mas vou ser sincera com você. O que vejo hoje são pessoas com mais medo do que seria necessário.
Às vezes entro em um elevador e dou de cara com uma pessoa baiacú!
_ Pense comigo _ Baiacús no elevador!!! Por quê? Com medo do quê???
Qual é o grande perigo em relaxar o peito e dizer “bom dia” a uma pessoa em um elevador? Qual é o enorme perigo em sorrir para uma pessoa que cruze nosso caminho? Por que tanto medo de nos comunicar com quem não conhecemos? Por que tanto medo de tudo e de todos?
É triste… Em meio a tantos peixes espinhudos, somem de nossas vidas os atos gentis de antigamente, as pequenas delicadezas, as mãos estendidas, a ajuda mútua, os atos de encorajamento. E cada vez mais ficamos isolados em busca de uma suposta proteção. E cada vez mais nos sentimos sozinhos.
Eu proponho que nos permitamos ao menos um olhar curioso na direção do outro, antes de ativarmos o balão inflável em nosso peito. Proponho confiar na mais sábia das fontes de informação, a nossa própria intuição. Proponho que baixemos um pouco as defesas em prol da troca, do afeto, da gentileza, de mais sorrisos, dessas coisas doces sem as quais a vida se torna seca e árida, tão árida que nem mesmo o mais espinhudo e inchado baiacú nela conseguiria sobreviver.