Por Roberto Goldkorn
Há cerca de trinta anos, a antena do meu fusca foi quebrada em frente a minha casa. Naturalmente, fiquei muito bravo. Mas, no dia seguinte, ao descer a rua vi um bando de meninos brincando, e dois deles lutavam "espada" – uma das "espadas" era a ex-antena do meu carro.
Na época, aquilo me deu uma inexplicável sensação de alívio. Menos de um mês depois, ao descer para trabalhar, vi consternado que a nova antena havia sido quebrada novamente, só que dessa vez, ela ainda estava lá, presa apenas por uma lingüeta de metal. Foi quebrada só porque estava inteira, pelo prazer de destruir. A minha revolta foi grande. Eu ainda não sabia, mas, aquele episódio, iria desencadear uma busca pelo entendimento do Mal, aquilo que eu chamaria duas décadas mais tarde de o Mal Absoluto.
A gratuidade do Mal, o Mal pelo Mal, é que me fascinava, na mesma proporção que me revoltava e despertava fogos internos de paladino vingador. Mas, eu nem podia imaginar que vivíamos em tempos ainda inocentes em relação ao Mal Absoluto.
Recentemente, assisti pela TV, a transmissão de uma fita de áudio feita através de escuta, em celulares de uma prisão carioca. Nela o traficante falava com seus comparsas, que estavam no local onde executavam a ordem de prender, torturar, quebrar ou cortar as mãos e os pés, de um homem, acusado de tentar seduzir uma das mulheres do traficante.
O facínora encarcerado pediu para falar com a sua vítima. A voz do homem, torturado, mutilado, humilhado, vivendo em câmera lenta a sua própria morte, me passou uma sensação tão terrível que seria impossível transmitir aqui com palavras. Mais uma vez, estava diante do Mal Absoluto, aquela instância do mal, que ultrapassa qualquer sentido funcional, "lógico", como, por exemplo, quebrar uma antena para ter uma "espada" e poder brincar com os amigos.
Nesses anos todos de estudos e elucubrações, uma idéia insiste em resistir, é a de que o Mal Absoluto, tem uma origem sobre humana.
Para mim, o Diabo, é o Senhor do Mal Absoluto, e o Diabo não passa de uma colcha de retalhos fortemente agregada de todos os pensamentos, sentimentos, e ações sentidas pelo homem como Mal.
Desde os primórdios da humanidade, os indivíduos tiveram a percepção do Mal, fosse ele as garras de um tigre de dentes de sabre dilacerando a sua cria, um vulcão destruindo aldeias, ou outros homens matando e aprisionando para obter território e poder.
Essas emoções, pensamentos, são coisas vivas, como já dizem os ocultistas há pelo menos 4 mil anos. Os cientistas da ex-União Soviéticas deram um nome à unidade dessa energia do "pensamento" de Psitron, e fizeram centenas de experimentos para aferir a sua existência.
Assim, o Diabo, seria uma espécie de espantalho, uma egrégora como dizem os místicos, formado de cada grito de ódio, cada tapa na cara, cada gemido de dor, dos olhos arregalados de pavor, do medo paralisante, do prazer mórbido do vampiro, do sangue derramado e das lágrimas de sofrimento.
O Diabo foi criado a partir dos sofrimentos reais e imaginários, porque são humanos, e muito do sofrimento é apenas cultural (lembrem-se da mulher que ao pegar o marido se deleitando na cama com outra se rasga e se martiriza dizendo: "por que ele fez isso comigo?"
Na verdade ele estava fazendo isso com a outra). Esse Diabo-colagem passa a ser mais que a soma dos seus componentes, e sem ser humano apesar da sua origem, começa a necessitar de "alimento" mais forte, mais puro, como qualquer viciado.
Já não lhe basta o mix de emoções e sentimentos vindos de uma guerra por território ou por comida, ou por quaisquer que sejam os motivos alegados. Ele quer o Mal sem atenuantes, o Mal puro sem misturas, a chamada pasta básica do Mal. Assim ele envia os seus tentáculos-seringa para dentro dos humanos, enterrando até o talo, onde percebe que o terreno é promissor, "fértil".
Assim concluí que o Diabo existe, não na forma como apregoam as igrejas, que contrataram seus pobres diabos particulares para extorquir os seus incautos fiéis, em pantomimas tristes, ridículas, que se o Diabo espantalho fosse capaz de rir, já estaria morto de tanto.
O Diabo existe como main frame de um colossal sistema, com milhões de terminais em cada um de nós, a maioria Graças A Deus inoperante. Na sua sanha de fome e sede da droga do Mal Absoluto, ele está sempre tentando ativar esses terminais em você e em mim. Conseguirá? Terá sucesso em fazer do mundo, ou seja, de nós humanos, um cachimbão do crack do Mal, e nos fumar, enquanto furamos os olhos uns dos outros, e rimos?
A resposta recebi ontem, via e-mail, do meu filho:
Um velho e sábio índio, falando sobre a sua alma, disse:
"Dentro de mim, existem dois cachorros. Um é mau, perverso, terrível. O outro é bondoso, do bem, e eles vivem brigando". Ao ser perguntado, qual o cachorro que ganhará a luta, respondeu:
"Aquele a quem eu alimentar".