Educar os filhos: o que nos difere dos animais?

Vínculos parentais, uma longa e controversa história

Você já escutou comentários sobre como leoas, macacas e fêmeas de outras espécies defendem a todo custo a cria recém-nascida? Fazem sacrifícios, arriscam a própria vida, protegendo os filhotes de predadores ou de atos agressivos que partiriam de membros do próprio bando. Há também espécies que diligentemente partilham dos cuidados com os machos da espécie, tal como nos mostram alguns documentários sobre a vida dos pinguins.

Continua após publicidade

Uma parte significativa dos estudos sinaliza haver forte influência de estados hormonais e de bases genéticas para que esses padrões comportamentais de cuidado e defesa se manifestem nas diferentes espécies. A função dos comportamentos de cuidado da prole é basicamente assegurar a sobrevivência dos organismos, filhotes muito doentes, e que não respondem a estímulos do ambiente, por vezes, são abandonados à própria sorte para morrerem; algo de impacto e difícil assimilação para a maioria dos humanos.

À medida em que crescem, os filhotes são incentivados a aprender todo um repertório de sobrevivência na natureza. Locomoção, defesa, ataque, identificação de perigos, sociabilidade, alimentação, trocas sociais, obediência à hierarquia do bando. Estas são algumas das habilidades que os animais aprendem enquanto crescem.

Na medida em que o tempo passa, os animais vão sendo tratados menos como filhotes a serem protegidos. Entre aves, pode ser a hora, por exemplo, de empurrar o pássaro para fora do ninho, fazê-lo desajeitadamente bater asas e voar. A comida das aves talvez não seja mais depositada na boca do filhote; até então era entregue quase digerida. O filhote de hiena, mais crescidinho, vai aprender a tirar pequenos nacos da presa abatida para garantir seu sustento, e por aí vai.

Fenômeno inevitável para os animais

Continua após publicidade

Para a maioria dos animais, chegará a hora em que viver independente, dentro ou fora do bando de origem, em grupo ou carreira solo, será um fenômeno inevitável. Em geral, os laços maternos ou parentais são como que desfeitos na idade adulta ou até antes, cada animal se torna um mero representante de sua espécie, uns mais ou menos jovens, outros mais ou menos fortes ou experientes. Os vínculos de parentalidade são transitórios, duram o quanto cada espécie necessita para ampliar as chances de sobrevivência de cada indivíduo, para desenvolvimento de autonomia e competências. Os hormônios, as sequências genéticas e alguns contextos ambientais, como a disponibilidade de alimentos e abrigo, determinam o jogo, regulam os padrões relativamente fixos de ação de cada espécie.

E com os humanos?


Quase tudo muda. Não estou negando o peso de variáveis biológicas, hormônios e genética certamente nos influenciam e a ciência a cada instante nos revela novidades a esse respeito. Mas… Bota aí um “mas” bem grande! Acontece que humanos são fortemente influenciados por aspectos socioculturais, e as variáveis que os afetam sofrem modificações ao sabor de circunstâncias individuais e coletivas. Muito da maneira como nos comportamos quanto a práticas reprodutivas, gestação, criação de filhos, concepção de desenvolvimento humano e outros aspectos têm origem na cultura, no momento individual e coletivo.

A antinatural interferência humana 

Continua após publicidade

Humanos aprenderam como interferir no ciclo menstrual, aumentando ou limitando a chance de se engravidar. Há pílula, DIUs, implantes anticoncepcionais, ovulação induzida, congelamento de óvulos e esperma, fertilização in vitro, pílula do dia seguinte, aborto induzido, barriga de aluguel e barriga solidária.

Há adolescentes em situação de risco engravidando em decorrência de terríveis abusos sexuais, outras jovens se apaixonam instantaneamente e para estas a gravidez é a consequência indesejada de um momento de prazer imediato, geralmente caracterizando a ruptura de sonhos e da suposta liberdade juvenil.

Em nossa cultura há mulheres que planejam uma gravidez solo, como também há casais que não medem esforços e dinheiro para conseguirem engravidar com recursos médicos.

Há a adoção, infelizmente muitos procuram bebês, e que sejam saudáveis. E os abrigos fazem o que com tantas crianças mais velhas e adolescentes abandonados por quem os concebeu (sim, eram condições adversas), e cujo destino será viver num coletivo institucional até o dia em que completarem 18 anos, quando serão lançados ao mundo, numa situação sem eira nem beira?

Conceito de adolescência em tempos ancestrais  

Entre humanos também as práticas de criação mudaram brutalmente ao longo dos séculos e entre as diferentes culturas. O conceito de adolescência, um período de transição entre a condição infantil e adulta não existia na época de Tutankhamon, o faraó egípcio morreu (ou foi morto, há controvérsias), com cerca de 19 anos e estava no poder fazia bom tempo!

Como era na Idade Média e na Renascença  


A nobreza europeia, na Idade Média e Renascença, nos conta a historiadora e filósofa Élisabeth Badinter, criava seus filhos sob os cuidados de amas de leite, longe das instalações palacianas. Se a criança sobrevivesse até por volta dos sete anos (a mortalidade infantil grassava naqueles tempos), seria levada ao palácio para conhecer seus pais, e dar início aos estudos necessários para se tornar membro da nobreza. Não havia grande afeto entre pais e filhos, o vínculo era formal, ditado pelas regras palacianas e leis do Estado. Não é por obra do acaso que boa parte da obra de Shakespeare se baseia em traições e assassinatos em família!

Fatores que influenciam o vinculo entre a criança e suas figuras parentais

Leis, religiões, diferentes práticas culturais e outros fatores influenciam o modo como concebemos o desenvolvimento infantil e o vínculo entre uma criança e suas figuras parentais. No período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial havia uma infinidade de crianças separadas de seus pais. Muitas crianças foram abrigadas em orfanatos, instituições hospitalares ou religiosas. Seria necessário descobrir se ainda haveria uma família consanguínea que recebesse cada uma em seu seio. Os cuidados se concentravam, na medida do possível, em troca de fraldas, banho, papinhas para os maiores, mamadeiras para os bebês. Enfermeiras e atendentes se rodiziavam em trocas de turnos para dispensar os cuidados básicos.



O cuidar favorece o desenvolvimento psicomotor das crianças 

Psicólogos e médicos que avaliaram essas crianças descobriram que crianças instaladas em berços voltados para o corredor, por onde passavam mais cuidadoras, acabavam por ter um desenvolvimento psicomotor mais avançado do que aquelas cujos berços estavam mais ao fundo dos recintos. Estimulação ambiental faz toda a diferença.

Descobriu-se também que a troca aleatória de cuidadoras dificultava mais ainda o desenvolvimento emocional das crianças, a construção de vínculos de confiança e o bem-estar emocional dependia da regularidade da presença de quem cuidasse da criança, olhasse em seus olhos, conhecesse suas necessidades e preferências, interagisse com ela regularmente, lhe acolhesse fisicamente e, por meio de palavras, lhe transmitisse bem querer.

A qualidade da relação entre uma criança e seus cuidadores pode influenciar seu desenvolvimento subsequente, afetando até sua autoestima, o sucesso nas relações amorosas e de amizade, todo o campo da intimidade e confiança na vida adulta sofre algumas influências dos primeiros anos de cuidados essenciais.

Afeto é uma construção

O importante é entender que o afeto de um pai, mãe, ou outro familiar por uma criança não é algo dado a priori. O afeto surge a partir de condições favoráveis, muito convívio próximo, olho no olho, palavras e canções, sorrisos, aconchego, cafuné, massagem, limites justos, bons exemplos, risadas… Laços de consanguinidade não são essenciais, o fundamental é a proximidade e disponibilidade afetiva. 

Quem quiser conhecer os fundamentos do apego como conceito fundamental na Psicologia pode estudar as obras do psiquiatra John Bowlby, nesta pequena coluna nem pude pincelar por completo as enormes contribuições deste pensador, sequer saberia fazê-lo!