Por Aurea Caetano
Orgulhosos de nossa racionalidade, tendemos a acreditar que somos os verdadeiros senhores de nossas vidas, ignorando indícios e provas em contrário. Identificados com o ego, centro de nossa consciência, pensamos ser ele o senhor de nossa vida, comandante central de nossa existência. Nada mais falso! Sim, ego é o centro daquilo que entendemos como nós mesmos, mas há toda uma imensa existência para além dele.
Seguindo Shakespeare, podemos dizer que “há mais coisas entre céu e terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” e todo um mundo entre o que sabemos a nosso próprio respeito e o que não sabemos. Utilizamos, na psicologia analítica, uma imagem que chamamos de “eixo ego-self” procurando com ela apontar a ideia de que o ego, ou eu, não é soberano ou não deveria ser. O centro deveria funcionar a partir deste eixo virtual que consideraria ambas as instâncias: o ego, centro da consciência e o self, centro de nossa totalidade. Ao propor a imagem deste eixo afirmamos a necessidade de haver uma conversa contínua entre o self, entendido como totalidade na psicologia analítica e que compreende tudo aquilo que sou, para além do ego do qual tenho consciência e o ego, senhor e centro de nossa personalidade.
Não se trata de abandonar a consciência do eu, ou ego, uma vez que ela é necessária para que possa me estabelecer no mundo; preciso dela para fazer coisas, para saber que sou eu atuando no mundo, para que possa “me saber” ou “me conhecer”. Sem o ego não há ninguém a perceber nada, ou se relacionar. O “conhece-te a ti mesmo” do oráculo de Apolo é mandatório, mas também importante o reconhecimento de uma totalidade maior, de um substrato inconsciente que sustenta, por assim dizer, todo o edifício psíquico.
Este eixo, no entanto, tem de ser forte e flexível ao mesmo tempo para dar conta das necessidades tanto do mundo interno quanto do mundo externo; para poder lidar com a necessária expressão de instâncias diferentes. Um ego forte demais tende a ser controlador, o sujeito espera que com a expansão de seu autoconhecimento, com sua ampliação conseguirá dar conta de todas as questões da vida. Não haverá doenças, sofrimentos desnecessários, sustos ou acidentes de percurso; o sujeito não será confrontado pelo desconhecido, terá controle total de sua vida. Uma pessoa com ego frágil, por outro lado, viverá à mercê de invasões do inconsciente, ou do imponderável; se sentirá como joguete ou marionete da vida, não podendo se apropriar de seu próprio percurso.
O grande desafio é justamente a flexibilidade, um ego adequado é como o bambu, forte e flexível e por isso capaz de se inclinar com o vento sem se quebrar e perder sua raiz.