por Aurea Afonso Caetano
Nos primeiros anos de trabalho em um hospital psiquiátrico, Jung ajudou a refinar e aprimorar os testes de associação de palavras. Ele percebeu que algumas palavras, em especial aquelas que surgiam após um tempo de reação mais longo, poderiam estar ligadas de maneira significativa, sugerindo pistas para um distúrbio psíquico do paciente. Surge aí, com uma explicação muito simplificada a ideia de complexo, um dos conceitos da teoria junguiana que “caiu na boca do povo”.
Este conceito entrou no vocabulário leigo e tem sido usado de forma até leviana. É muito comum que uma pessoa descreva a outra como portadora de um deles: seja um complexo de inferioridade ou seu oposto de superioridade; seja um complexo materno ou paterno. Complexos são formas correntes de descrever personalidades, especialmente quando se pensa em algo negativo.
Para Jung, o complexo é um “conglomerado” de carga afetiva, reunião de imagens, sensações e afetos ao redor de um núcleo que ele vai chamar de arquetípico. Importante assinalar aqui que ao desenvolver este conceito, Jung estava apontando para a unidade psicofísica, por assim dizer, algo que ainda hoje em dia é de difícil apreensão.
Explico, com os conhecimentos que temos e da forma como compreendemos o desenvolvimento do ser humano, não podemos mais falar em doenças orgânicas e/ou doenças psíquicas, não podemos mais utilizar a palavra doença psicossomática. Continuamos utilizando essas expressões por falta de outras melhores, sabendo que não há nada que não seja psíquico e físico ao mesmo tempo. Não existe algo como uma mente vagando por aí, sem um corpo, ou ao contrário, um corpo caminhando por aí, sem uma mente.
Redes ou mapas neurais podem ser uma analogia ou metáfora para complexos. Quando uma ponta ou pedaço da rede é tocada, todo um mapa é ativado e sua expressão ocorre no organismo e não apenas em uma parte do todo. Esses padrões podem ser evocados por qualquer tipo de sensação. Posso por exemplo ter um “complexo ativado” ao ouvir determinada música, sentir um cheiro específico, ver determinada figura.
Exemplo, tenho uma relação difícil com minha mãe que morreu de forma precoce, ela costumava usar um determinado perfume. Essa relação difícil aparece em várias situações em minha vida, posso ter mais ou menos consciência disso e em alguns momentos, a presença do cheiro de seu perfume pode evocar toda uma teia de sensações, sentimentos, pensamentos que evocam aquela relação especifica. A partir dessa evocação posso por exemplo desenvolver uma relação negativa com o lugar ou a pessoa que tem aquele cheiro ou, ao contrário, posso me aproximar revivendo ou revendo aquele complexo ligado à relação com a mãe.
As colocações acima são simplificações necessárias, a forma possível de dizer que apesar de nossa soberba consciência não temos ingerência sobre nossa personalidade inteira. Devemos sempre lembrar que muito do que fazemos acontece a partir de desígnios internos os quais pouco conhecemos.