por Roberto Goldkorn
Cada vez é maior o número de pessoas que se sente afrontada e desamparada diante da selva brutal dos dias atuais. Estas pessoas são as chamadas 'espiritualizadas' e nunca se apresentaram em tão grande quantidade. A minha primeira perplexidade diante desse exército de sensíveis espiritualizados, é: onde estavam vocês trinta anos atrás? “Estávamos nascendo ou engatinhando” podem responder alguns apressadamente.
Diante disse hipotética contestação refaço minha pergunta: onde estavam os seus iguais, já crescidos há trinta anos ou menos? Estavam no 'armário'? Fingiam-se de carnívoros, bebedores de uísque e zumbis perseguidores do vil metal? Pretendiam ser o quê não eram apenas para poder sobreviver, ou chegar em casa ao fim do dia e desabar em choro na cama? Talvez e apenas talvez esses contingentes de seres mais sensíveis, humanistas e espiritualistas, estivessem adormecidos e foram despertados pelo milênio da Nova Era. Talvez, e é apenas talvez, tenham sido estimulados a sair do 'armário' pela atmosfera liberal dos novos tempos, sem caça às bruxas, pelo menos não tão ostensiva. Pode até ser que a minha estatística seja canhestra, viciada por uma percepção muito pessoal, mas o fato é que para mim, diante de mim nunca desfilaram tantos espiritualistas perdidos no tiroteio das vibrações grosseiras do novo milênio.
No início eu ainda achava que era a costumeira minoria de sempre, apenas porque só via as grandes concentrações nos bailes funk, nos shows de pagode, nas raves e em outras manifestações nada sensíveis, nada espiritualistas. Mas despertei para o óbvio, os seres da 'nova era' não se aglomeram em tais manifestações, são reservados e seletivos em suas preferências de forma a não se perderem no coletivo massificante. Mas estão aí. Cada vez mais nas empresas, no serviço público, até na polícia e na política. Mas a grande pergunta que sempre sou provocado a responder é: como uma pessoa sensível e com valores predominantemente espirituais pode sobreviver na selva do “pega-pra-capar” das grandes cidades? Mais provocante ainda: como devem agir diante das pedras de moer 'espíritos' que a sociedade de consumo criou? Como encontrar um canto a salvo onde possamos tocar a vida, sabendo que a vida não é só isso que se vê, é muito mais? O que fazer se a alternativa for matar ou morrer? Roubar ou se deixar roubar? Como elevar o pensamento para as coisas do espírito se o gerente do banco não pára de nos ligar para que paguemos os juros do cheque especial? Como manter hábitos conquistados sem ficar taxado de chato, pernóstico ou 'marciano'?
Como lidar com a burrice institucionalizada, a ética da antiética, a prepotência dos imbecis no poder, sem nos metermos em guetos auto-segregados? É um universo de questões de difíceis respostas, se é que existem. Mas serão essas questões verdadeiras ou apenas parte do desfile de ilusões, o Maya dos Hindus?
Conheci um alto executivo, que depois de me sondar longamente confessou-me que a sua filha conversa regularmente com “Ets” no jardim de sua bela casa, e que ele mesmo já havia feito alguns contatos de 3º Grau. “Mas, alertou-me ele à moda dos grandes executivos, “se você contar isso para alguém vou desmenti-lo e acusá-lo de mentiroso”. |Não sei quais as outras angústias que ele acobertava em seu íntimo, mas pelo menos aparentemente o alto executivo havia encontrado um modus vivendi confortável atrás de seus ternos impecáveis e do sorriso postiço. Nem todos temos a mesma versatilidade.
Meu conselho para a turma do 'espírito': não somos tão bons assim. Não somos tão puros assim, não somos e não seremos os salvadores da raça humana quando o bicho pegar geral. Não devemos nos levar tão a sério, nem a nossa sensibilidade deve ser tão preservada como uma virgem medieval. Não podemos e não devemos cria um apartheide espiritualista nesse começo de milênio. Podemos e devemos preservar o que temos de bom, podemos e devemos encontrar um canto sossegado onde possamos ouvir boa música e ler um livro inspirador. Podemos e devemos orar e vigiar…sempre. Mas não acredito em missões, em novas cruzadas em resgates cármicos.
Cuidado, porém para não se escorar na 'alta' espiritualidade e para fugir à luta dos comuns, do dia-a-dia, da lucidez que confere os centavos de um troco ou reclama do preço do feijão. Ser ou ter uma elevada visão de vida não pode ser desculpa nobre para se esconder no quarto todo azul e ser embalado pelo spleen do tipo “leave me alone” – deixe-me sozinho.
No fim de tudo, quando voltarmos fatigados e (quem sabe) estropiados à casa depois de fracassadas missões, vamos (quem sabe), entender e colocar em prática, a frase lapidar do Voltaire, em seu singelo e magnífico Cândido: Il faut cultiver notre jardin (é preciso cultivar o nosso jardim – grifo meu.)