por Roberto Goldkorn
Há quinhentos anos, um grupo de 300 soldados espanhóis chegou a costa peruana.
Depois de meses de viagem em condições que mal podemos imaginar, ele subiram as altas montanhas andinas e em poucos meses conquistaram o império Inca.
O império do Tahauantinsuyu que levou pelo menos um século para ser construído e ocupava pelo menos quatro países da atual América do Sul, foi dominado por um punhado de homens barbudos e cansados. Cansados?
Eles chegaram de uma viagem exaustiva, subiram montanhas altíssimas, com calçados inadequados, carregando espadas que podiam chegar a dez quilos e em pouco tempo puderam clamar: “Tá tudo dominado!”
Cansado fico eu só de pensar nessa empreitada. Cansado ficam os turistas que sobem de trem para conhecer Machu Picchu e tem vertigens da altitude, vomitam, e muitas vezes desistem.
Estamos realmente ficando mais fracos.
A vida moderna nos está presenteando com tudo aquilo que sonhávamos desde sempre: uma vida sem esforço onde escravos obedientes substituíssem nossos músculos, e até mesmo pensassem por nós.
Passei a minha infância subindo (e às vezes caindo) em árvores, jogando bola na rua, correndo atrás das pipas e no tempo livre assistindo TV.
O filho de um casal de amigos passa o tempo na internet aprendendo “japonês e chinês”, porque inglês, sueco e alemão ele já domina com 11 anos!
Os “especialistas” estão alarmados e acham que vivemos tempos perigosos, onde a ausência de esforço pode levar a seres mais fracos, mais preguiçosos e frágeis.
Mas esse não é o verdadeiro quadro que está à nossa frente.
Se observarmos a evolução do trabalho e do pensamentos humano vamos ver outra paisagem.
O pensamento sempre lutou para se libertar da escravidão do trabalho braçal. Os filósofos gregos só puderam produzir as maravilhas do pensamento, porque tinham escravos e o espaço do “ócio criativo” para se dedicar ao pensamento puro.
A tecnologia, que perseguimos de forma tão obstinada, obedecia a um clamor Inconsciente: livrar-nos da carga de trabalho braçal, para que pudéssemos começar a usar nossa musculatura cerebral.
Seres mentais
Vamos ficar mais fracos de força física sim, a natureza já estará mais dominada quando não precisarmos lutar contra ela. Mas se sobrevivermos como espécie, vamos chegar a ser seres mentais.
Corremos o risco de sermos tão frágeis fisicamente quanto crianças esqueléticas?
Talvez. Mas a imagem que agora me vem à mente é a do astrofísico e cosmólogo britânico Stephen Hawking em sua cadeira de rodas e a musculatura toda do corpo atrofiada, produzindo conhecimento científico da mais alta qualidade. Toda energia vital migrou para o cérebro e abandonou o corpo. Talvez esse seja o nosso destino.
Num futuro não muito distante, a continuarmos nesse caminho evolutivo (observe o passado para entender o que o futuro vai trazer), vamos ser mais cérebro do que músculos e ossos. Sem função qualquer órgão tende a se atrofiar, e o contrário é verdadeiro.
O filho dos meus amigos só está aprendendo chinês com certa facilidade, porque seu cérebro foi forçado a aprender sueco antes.
Mas como o desenvolvimento da humanidade é absolutamente assimétrico, não vamos nunca assistir a uma civilização cerebral homogênea.
Teremos de um lado uma elite formada pelos Stephen Hawkings e filhos do casal de amigos, e de outro uma imensa massa de “braçais” ainda vivendo a realidade da revolução industrial do sec. XIX.
Nesse meio tempo muita coisa pode acontecer. Poderemos ter eventos catastróficos que tragam ao centro do palco os “braçais”, mas será através dos cerebrais que encontraremos caminhos para sobreviver.
No fundo a humanidade vai evoluir sim nesse sentido, mas nunca poderemos (pelo menos nesse planeta denso) abrir mão de braços fortes e pernas que sustentem o peso da gravidade.
Espero que dessa vez homos sapiens e Neanderthais possam conviver sem que um extermine o outro.
Agora preciso ir, para fazer minha musculação, nunca se sabe quando vamos precisar carregar pedras.