por Júlio Bernardes
Usuários de cocaína de início precoce, antes dos 18 anos, exibem alterações neuropsicológicas mais pronunciadas, com prejuízos nas funções do cérebro. A constatação é feita em pesquisa do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que avaliou 103 dependentes da substância. O estudo liderado pela neuropsicóloga Bruna Mayara Lopes aponta ainda que os usuários precoces têm maior frequência de consumo de outras substâncias, como álcool e maconha, do que o grupo de início tardio, após os 18 anos.
A adolescência é um período crucial para o desenvolvimento neurológico. “Nessa fase da vida, o cérebro está em transformação, e acontece a chamada poda neural, quando neurônios sem uso são eliminados para refinar o funcionamento de outras áreas do cérebro, como o córtex frontal”, afirma Bruna. “Essa área é muito importante para a realização de funções executivas, tais como a memória do trabalho (capacidade de manter um número de informações enquanto executa uma tarefa), o controle inibitório e o planejamento. O uso de cocaína na adolescência pode levar a alterações, comprometimento e perda de funções cerebrais importantes para o dia a dia”.
A neuropsicóloga aponta que poucos estudos têm investigado o impacto do uso precoce da cocaína no desempenho cognitivo e nos padrões de uso de substâncias como álcool e maconha. “A pesquisa envolveu 103 pacientes dependentes de cocaína. Entre eles, havia 52 com início precoce, ou seja, que começaram a usar a substância antes dos 18 anos, em média por volta dos 15 anos. Outros 51 tiveram início tardio no uso de cocaína, após os 18 anos, em média com 21 anos”, relata. “Além disso, para comparar os resultados dos testes, foi avaliado um grupo controle com 63 pessoas saudáveis”.
Testes
O funcionamento neuropsicológico foi avaliado por meio de uma bateria de testes com duas horas de duração. “Os testes avaliaram a memória de trabalho, a atenção sustentada, ou seja, a manutenção de foco durante a realização de uma tarefa e a memória declarativa, que é a capacidade de resgatar uma informação que foi recebida há 30 minutos”, explica Bruna. “O uso de álcool, maconha e tabaco foi avaliado por meio de questionário que mede o índice de gravidade de dependência”.
De acordo com a neuropsicóloga, “as análises mostraram que o grupo de usuários precoces apresentou maior déficit cognitivo, com pior desempenho na atenção sustentada, na memória de trabalho e na memória declarativa em relação ao grupo controle”. O grupo de início tardio apresentou comprometimento na atenção dividida na comparação com as pessoas saudáveis. “Os usuários precoces também apresentaram maior uso de maconha e álcool do que os de início tardio”, acrescenta.
“Usuários precoces apresentaram maior déficit cognitivo, com pior desempenho na atenção sustentada, na memória de trabalho e na memória declarativa.”
Os déficits cognitivos mais proeminentes nos usuários precoces provavelmente refletem um impacto negativo do uso de cocaína nos estágios do neurodesenvolvimento na adolescência. Isto pode estar relacionado com características clínicas mais severas do transtorno de substância neste subgrupo, incluindo abuso de outras substâncias, como álcool e cocaína. “O cérebro ainda pode se desenvolver até os 21 ou 22 anos, porém o uso precoce de cocaína pode causar prejuízo a áreas que estão em fase importante de formação”, afirma Bruna.
O estudo completo, a ser publicado na edição de outubro de 2017 da revista “Addictive Behaviors”, já pode ser acessado no site da publicação. Além de Bruna, o artigo é assinado por Priscila Dib Gonçalves, Mariella Ometto, Bernardo dos Santos, Mikael Cavallet, Tiffany Moukbel Chaim-Avancini, Maurício Henriques Serpa, Sérgio Nicastri, André Malbergier, Geraldo Busatto, Arthur Guerra de Andrade e Paulo Jannuzzi Cunha.
Fonte: Agência USP