por Rosemeire Zago
Desde crianças precisamos saber que somos importantes, que somos levados a sério e que cada parte de nós é digna de ser amada e aceita. Precisamos também saber que os que tomam conta de nós nos amam e que podemos confiar neles. Quando não podemos confiar nas pessoas responsáveis por nós, quando sentimos que não se preocupam com o que sentimos, desenvolvemos uma profunda falta de confiança em nós mesmos. Se formos privados desse amor, nossa noção de EU SOU é prejudicada, contaminando o adulto com uma sede insaciável de amor, atenção e afeição, procurando esse amor no externo, em coisas materiais, dinheiro ou em outras pessoas.
Só podemos mudar algo quando conseguimos reconhecer alguns padrões em nossa vida. A falta de autoconhecimento e conexão com a criança interior pode trazer alguns padrões comuns:
– Sentimentos mais intensos
Medo, culpa, vazio, impotência, solidão e muito medo de ser abandonada e rejeitada. Quando os pais e outros adultos significativos nos abandonam, rejeitam ou abusam de nós na infância, a dor é tão insuportável que o Adulto Interior se desliga da Criança Interior para não ter mais tais vivências, intensificando assim a dor, o vazio e a solidão.
– Medo de estar errada
A Criança Interior abandonada está quase sempre com medo de estar errada, porque acredita ser essa a razão de ter sido abandonada ou rejeitada. Torna-se um adulto que está sempre pedindo desculpas, como se precisasse se desculpar por um dia ter nascido. Pode ainda ser um adulto perfeccionista, ou muito preso às regras, em como as coisas devem ser feitas, na tentativa de não errar.
– Repetição interna
A repetição interna consiste em repetir em si mesmo as violências do passado. Nós nos punimos como nos puniam na infância. Dizer a si mesmo frases como: "seu idiota como pode ser tão burro?" ou "não sei fazer nada direito", " nunca serei feliz", podem ser repetições do que ouvia quando criança. Algumas pessoas batem no próprio rosto, exatamente como a mãe fazia com ela quando era pequena. A emoção do passado, não resolvida, geralmente é usada contra a própria pessoa. Se era comum desprezarem nossos sentimentos, será também comum nos relacionarmos com quem agirá da mesma forma.
– Dificuldade no relacionamento afetivo
Se quando crianças fomos vítimas de maus-tratos, tendemos a manter relacionamentos destrutivos, permitindo sermos tão maltratados como éramos, temendo o abandono. Confundimos carência com amor. Como podemos compartilhar nossa vida com alguém, quando não sabemos realmente quem somos? Como alguém pode nos conhecer quando nós mesmos não nos conhecemos? Como podemos receber amor de alguém se não nos sentimos merecedores de sermos amados?
– Comportamento agressivo
Hitler foi espancado na sua infância, humilhado e envergonhado por um pai sádico. Hitler repetiu a forma mais extrema dessa crueldade em milhões de pessoas inocentes. O comportamento agressivo pode ser o resultado da violência na infância e da mágoa e da dor não resolvidas. A criança impotente e ferida pode se transformar no adulto agressor. Isto é verdade especialmente em casos de maus-tratos físicos, de abuso sexual e de severo castigo emocional. Para sobreviver à dor, perde-se toda noção de identidade, identificando-se com o agressor.
A maioria do comportamento agressivo nem sempre é resultado de maus-tratos. Em alguns casos, crianças que foram "mimadas" pelos pais aprenderam a se considerar superiores aos outros, fazendo-as acreditar que merecem um tratamento especial de todos. Perdem toda a noção de responsabilidade, certas de que seus problemas são sempre de outras pessoas, não assumindo a responsabilidade por seu comportamento.
– Codependência
Ser codependente é perder o contanto com os próprios sentimentos, carências e desejos. Não tem noção do próprio valor, que é criado no seu íntimo, só compreende o valor dos outro, tornando-se dependente de outras pessoas. Não tem nenhuma noção interior do próprio "eu".
A codependência nasce e cresce dento de sistemas familiares doentios. Por exemplo, quando o ambiente familiar é de violência (química, emocional, física ou sexual), a criança passa a focalizar apenas o exterior. Com o tempo, ela perde a capacidade de gerar a auto-estima que vem do seu interior. O comportamento co-dependente indica que as carências da infância não foram atendidas, que a criança não sabe quem é. Algumas pessoas ficam paradas porque estão o tempo todo buscando fora o amor que não receberam.
– Necessidade de aprovação e reconhecimento
Grande parte do que lhe disseram que era cuidado paterno ou materno era abuso. Se continuar inclinado a minimizar e/ou racionalizar os modos pelos quais foi envergonhado, ignorado ou usado para satisfazer seus pais, não conseguirá se libertar da angústia e da dor. Deve aceitar o fato de que essas coisas feriram a sua alma.
Todas as crianças idealizam os pais, esse é o modo pelo qual garantem a própria sobrevivência. Contudo, quando a criança agredida idealiza os pais, ela acredita que é a única responsável pelo abuso de que é vítima. "Eles me batem porque sou uma criança malvada." Ou ainda: "Eles me tocam porque eu deixo."
Estranhamente, quanto mais era agredida, maltratada ou ignorada em seus sentimentos, mais pensava que era mau, mais idealizava seus pais e mais necessidade de aprovação e reconhecimento por parte deles buscava, sempre procurando agradá-los. Esse comportamento pode se manter mesmo quando adulto. Se não consegue obter aprovação dos pais e depois junto de seu próprio Adulto, poderá fazer de tudo para obter amor e aprovação dos outros.
– Carência
É quando precisamos dos outros para nos sentir amados. Essa carência de uma aprovação externa surge do medo profundo do abandono e da rejeição. A carência em geral gera dependência em relacionamentos doentes e do qual não se consegue sair.
É preciso confrontar-se com os sentimentos para nos curarmos
Quanto mais estiver disposto a enfrentar o medo, a verdade, a dor, a solidão, a mágoa, suas decepções, raivas, inseguranças, e quaisquer outros sentimentos, mais depressa conseguirá se libertar dessas correntes que o aprisionam. Permita-se enfrentar todas as proteções que o ajudam a se esconder e comprometa-se com seu crescimento, pois enquanto não enfrentar sua dor, se esconderá atrás dela.
Mas é claro que pode optar em permanecer com seu medo e dor. Mas espero que seu desejo de se libertar seja muito maior que seu desejo de enfrentar a dor que todo esse processo provoca. Afinal, cada um tem a vontade de escolher aquilo que lhe é mais importante; permanecer como está, fingindo que não sente dor ou curar-se e crescer. Qual deles você prefere?
"Precisamos aceitar que não foram nossos pais que nos abandonou, nós nos abandonamos"