por Lilian Graziano
De ascendência italiana, tenho um jeito exagerado – intenso, prefiro – de me referir a quantidades – faço usos hiperbólicos de numerais como 100, 200, mil, um milhão, aqueles em que repetimos "já disse mais de mil vezes!" ou "tenho um milhão de coisas para fazer!", da maneira mais enfática possível.
Mas gostaria, na verdade, de comentar o que significam esses números, não na linguagem do dia a dia, mas no contexto do desenvolvimento humano, chegando à reflexão do quão relativo pode ser o esforço que se faz para ser feliz, enumerando-se algumas tentativas.
Trata-se de um raciocínio que me ocorreu ao escrever para a centésima edição de uma revista com a qual colaboro desde o início, solicitada a usar a palavra "cem" como fio condutor de minha crônica mensal.
Pois bem. Em minha crônica, verifiquei que há situações em que o "cem", ainda que usado de forma precisa, não significa muita coisa podendo, em alguns casos, não significar absolutamente NADA. Ou ainda, mostrar que ser feliz está além de uma questão de persistência (embora persistir em uma ação com esse objetivo, por mais de cem vezes, seja muito importante).
Dividindo cem esforços, igualmente, entre três entraves à minha felicidade, por exemplo, eu teria apenas cerca de 33 tentativas para cada, supondo que devam ser usadas contra problemas como minha dificuldade em manter perspectiva otimista em relação ao futuro, minha baixa automotivação e meus relacionamentos insatisfatórios. Assim divididas entre três focos diferentes, minhas cem tentativas de ser feliz seriam, mesmo, míseras. E quem me garante que devo dedicar, em partes iguais, essas tentativas a tais problemas?
Vamos supor então… que minha felicidade dependa de apenas um único ajuste (o que nunca ocorrerá, pois essa é um fenômeno complexo, influenciado por diversos fatores, nem sempre interdependentes). Para mantermos o exemplo, assumiremos que esse ajuste seja o otimismo. E lá vou eu, muito bem intencionada, me esforçar cem vezes para bloquear um pensamento pessimista ou mesmo para desenvolver uma perspectiva mais otimista em relação ao futuro.
O que terei eu conseguido ao final dessas cem vezes? Nada. Isso porque cem tentativas não criam uma nova rede neural orientada a pensamentos otimistas. Muito menos neutralizam aquela rede de pessimismo que venho construindo há 48 anos e que, justamente por terem sido fortalecidas muitíssimo mais do que cem vezes, estão aí a dominar meu pobre cérebro infeliz.
E o que me diz de dedicar 100 horas mensais para avaliar como está conduzindo o seu projeto de felicidade?
100 minutos diários para praticar o perdão e a gratidão, ação positiva que mobiliza tantas outras emoções igualmente positivas?
Eu poderia me estender por mais cem linhas, mas por você, leitor com mais de cem neurônios, certamente, a mensagem aqui já foi captada.
Ser feliz exige muito mais do que cem esforços, contudo, certamente, cem pequenos passos (em horas mensais ou minutos diários) já o familiarizarão com a ideia de felicidade como um projeto. Formarão o hábito de avaliar e mobilizar recursos para o número certo de tentativas de ser feliz.