por Pedro Tornaghi
Arthur Rubinstein (1887-1982), ficou famoso em seu início de carreira não apenas como exímio pianista mas também por seus instintos irrefreáveis, o gosto por fartura e a excelência em seus gastos. Ele sempre surpreendia por sua capacidade de desperdiçar grandes somas de dinheiro com qualquer coisa em um intervalo muito pequeno de tempo.
Autoindulgente, era incapaz de viver modestamente e sempre confiava que sua "estrela da sorte" providenciaria mais quando fosse necessário. Ele criava grandes débitos e sempre, miraculosamente, conseguia se safar. A providência costumava sorrir com generosidade para ele.
No entanto, um dia o desânimo venceu sua confiança. Sem fundos para pagar o aluguel e nem para comer, e sem perspectivas futuras, ele decidiu se matar. Imediata e impetuosamente, tirou o cinto da cintura e armou uma forca em um gancho alto no banheiro, subiu em um banco e o derrubou com os pés. Mas, não era mesmo o dia de conseguir o que desejava, o cinto rasgou e ele caiu no chão. Meio aturdido e estupefato com a sensação de que nem a morte o queria naquele momento, ele se arrastou até a sala e confidenciou ao piano suas lágrimas e visões.
Mais tarde ele contou ter amado profundamente aquela música, ter sentido um compêndio de todos os seus sentimentos entrando pelos poros e ouvidos, o que o inflamou a voar e acordou nele um enorme amor que amenizou suas dores. A música o trouxe de volta à vida naquele dia.
Certamente uma grande parte de nossa felicidade depende de escolhas…
No entanto ele ainda sentia fome e decidiu sair à rua em busca de comida. Ao chegar ao ar livre, uma sensação estranha o atravessou – ele a chamou de revelação. Rubinstein viu o mundo como se pela primeira vez; a rua, as árvores, as casas, os cachorros se perseguindo… tudo parecia diferente, tudo parecia novo. Mesmo os ruídos da cidade soavam inéditos. Fascinado, enxergou uma vida maravilhosa e sentiu que valia a pena vivê-la, mesmo que fosse em uma prisão, desde que vista com esses novos olhos. Se percebeu em um renascimento, que alterou inteiramente sua psique; em pleno caos dos seus pensamentos ele descobriu o que ele mesmo chamou de "o mistério da felicidade". E ele conta ter se agarrado firmemente a essa experiência que o ensinou a "amar todo o bom e ruim". A partir desse dia, ele passou a reconhecer nos momentos de tristeza a semente da alegria e da felicidade. Rubinstein passou a cultivar uma filosofia que poderia ser traduzida por "intenção de estar feliz".
Muitos se perguntam, desde que a humanidade existe: é a felicidade uma escolha ou uma consequência de nossas experiências? Ou, em que medida ela é uma ou outra coisa? Ela depende mais de nós ou das circunstâncias em que vivemos?
Há na tradição sufi a história de um místico que vivia sempre sorridente. Um dia perguntaram a ele o segredo de sua felicidade. Ele disse não haver segredo: "Apenas, toda manhã quando levanto, eu medito por cinco minutos e digo a mim mesmo: "Apenas, toda manhã quando levanto, eu medito por cinco minutos e digo a mim mesmo: 'Escute, existem agora duas possibilidades: você pode ser triste ou pode ser feliz. Escolha.' E eu sempre escolho ser feliz".
Duas qualidades – tipos – de felicidade
Certamente uma grande parte de nossa felicidade depende de escolhas, mas vale lembrar que existem duas qualidades de felicidade. A primeira, é uma felicidade que depende de alguma situação. A pessoa que tem excesso de peso sabe que ficará feliz se emagrecer, a pessoa que passa por necessidades sabe a felicidade que virá quando ganhar dinheiro, a que sofre por solidão imagina o quanto experimentará de felicidade ao encontrar um grande amor. São experiências felizes legítimas e que são estimuladas pela atitude que tomamos frente à vida. Mas são experiências que possuem o seu oposto no terreno da infelicidade, se a magreza, o dinheiro ou o amor não vierem, apesar de todo o empenho para que venham, não se vai experimentar essa felicidade.
O segundo tipo de felicidade é fruto de uma coesão da pessoa com o seu íntimo; independente de qualquer sucesso em alcances pessoais, a pessoa se sente feliz por estar sendo coerente consigo mesma, por estar agindo conforme sua verdade interior, e não por indução do que os outros acham conveniente. Deveríamos ter duas palavras diferentes para esses dois estados, é inegável que os dois podem ser traduzidos por "felicidade", mas são experiências diferentes. A língua inglesa tem "hapiness" e "bliss". Talvez pudéssemos traduzi-las por "felicidade" e "júbilo". Mas, tendo ou não palavra que defina, uma coisa é certa: para o primeiro estado de felicidade nossa decisão pesa muito, mas não é garantia de alcance, para o segundo, nossa decisão é tudo.