por Luís César Ebraico
O tratamento de Fernando foi um dos mais bem-sucedidos dentre os que conduzi. Não apenas por seu resultado ter sido extremamente satisfatório, mas pela gravidade de seu quadro clínico quando começamos nosso trabalho. Fernando estava em pleno processo regressivo: começara trancando sua matrícula no curso de medicina; em seguida, rompeu com os amigos e, pouco depois, com a namorada; começou a colecionar estátuas de Buda em seu quarto (o que, naturalmente, só tem o significado mórbido pelo contexto em que ocorreu) e, morando em frente à praia, passava a maior parte do dia dentro d’água, fazendo surf. A direção geral do processo era de afastamento do mundo. Hoje, é um bem sucedido médico em um país do primeiro mundo. Lá para o fim de sua análise, quase completamente recomposto – já retornara à faculdade, aos amigos, saia novamente com garotas e, evidentemente, não passava mais o dia inteiro dentro d’água (com os Budas, não me lembro o que aconteceu) – saiu-se com essa:
FERNANDO: – Interessante! Sempre detestei Microbiologia. Quando tranquei a matrícula, tinha sido reprovado nessa cadeira. Depois que voltei para a faculdade, retardei o quanto pude reinscrever-me nela. Logo que entrei em análise, pensei: vou fazer análise, ficar bom, passar a gostar dessa porcaria dessa matéria, estudar com gosto e passar. Agora, estou chegando a conclusão de que não há análise no mundo que me faça gostar de Microbiologia e, ou eu enfio a cara, mesmo detestando isso, passo e pego meu diploma, ou nunca vou ser médico em minha vida! [Após um bom período de silêncio, continua:] Será que ter alta é descobrir que o psicanalista não serve para nada? [Mais um silêncio e completa:] Não, serve sim. É a única pessoa que consegue ouvir naturalmente que ela não serve para nada.
Esse monólogo – na verdade, um diálogo consigo mesmo – ilustra um importante resultado de uma análise bem sucedida: o de transformar uma situação traumática em uma situação meramente frustrante. A diferença entre esses dois tipos de situação pode ser abordada de vários ângulos, mas um dos mais relevantes é o de que a situação meramente frustrante é insatisfatória, mas não paralisa nem desorganiza o sujeito e a situação traumática sim. Fica evidente, no exemplo de Fernando, que a necessidade de estudar Microbiologia para conseguir o diploma de médico passou, ao longo da análise, de situação traumática para situação meramente frustrante. E o paciente “deu a dica” de que instrumento opera esse “milagre”: é a naturalidade da escuta do analista, capaz de ouvir, inclusive, que “não serve para nada”.
As considerações de Fernando apontam também para o fato de que, frequentemente, a expectativa do paciente em relação à análise, NÃO É apenas a de que o analista transforme trauma em frustração. O mais rotineiro é um paciente que fica paralisado e desorganizado – leia-se traumatizado – diante de situações de rejeição, dizer ao analista que o que deseja conseguir do tratamento é, por exemplo, “parar de se sentir rejeitado”.
É importante explicar a ele que a análise não tem o condão de lhe fornecer isso, mas, apenas o de que a rejeição não o traumatize, paralisando-o e desorganizando o seu comportamento. E, de passagem, que não achar desagradável ser rejeitado não é exatamente o melhor exemplo do que seja saúde mental.