Fumante com transtorno bipolar: relação complexa 

Quem possui Transtorno Bipolar tem baixa probabilidade de parar de fumar quando comparado a uma pessoa normal; saiba como lidar com essa complexa questão

E-mail enviado por uma leitora:

“Tenho um filho de 55 anos que sofre de transtorno bipolar. Ele é fumante desde a adolescência, no momento está em crise, e o médico disse que ele está com enfisema pulmonar, e ele não quer parar de fumar… Estou desesperada. O que eu faço? Se puder me ajudar… fico muito, muito grata!”

Resposta: A prevalência do Transtorno Afetivo Bipolar é estimada entre 1,6 e 2,2% na população total dos Estados Unidos e 2,2% na população canadense. A prevalência de tabagismo entre os portadores de Transtorno Bipolar é significativa, variando entre 50 e 70%, em comparação com cerca de 20% da população em geral.

As pessoas com Transtorno Bipolar têm baixa probabilidade de parar de fumar do que as pessoas normais. Isso sugere que pode haver características únicas da doença que predispõem as pessoas com Transtorno Bipolar ao início e/ou manutenção do consumo do tabaco.

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Em termos populacionais, sintomas de humor, como mania ou depressão, parecem estar ligados ao consumo de tabaco. A presença de mania e hipomania está associada a uma maior probabilidade de dependência do tabaco na população psiquiátrica, sendo 3,5 vezes maior. Além disso, durante a cessação aguda do tabagismo, indivíduos com Transtorno Bipolar podem apresentar maior risco de apresentar mania e recorrência depressiva transitória. Embora haja relatos de casos de mania e depressão após a interrupção abrupta da nicotina, são raros os estudos duplo-cegos controlados por placebo que analisaram o impacto da cessação do tabagismo sobre o humor (1). Uma importante meta-análise mostrou que, de forma integrada, os sintomas de saúde mental, particularmente a depressão, podem melhorar, a médio ou longo prazo, naqueles que param de fumar (2).

Fumante com transtorno bipolar: relação complexa

Há uma relação complexa entre tabagismo e transtorno bipolar

Há evidências científicas que indicam uma relação complexa entre o tabagismo e o Transtorno Bipolar. Alguns pesquisadores levantam a hipótese de que a idade possa desempenhar um papel relevante.

É possível supor que aqueles que sofrem de Transtorno Bipolar apresentem uma maior predisposição ao tabagismo, apesar da observação de que muitos pacientes começam a fumar antes do início da doença.

Estudos mostram que a maioria dos fumantes adota o hábito na adolescência, com estatísticas na Austrália revelando que, em 2010, a idade de início era 16 anos. Em relação à idade média de início no transtorno bipolar, para o tipo bipolar I, a idade média de início é de 23 anos para homens e 26 anos para mulheres. Já para o tipo bipolar II, a idade de início é de 29,7 anos para homens e 30,1 anos para mulheres.

Uma linha de pesquisa sugeriu que alterações duradouras na neurofisiologia decorrentes do consumo de tabaco poderiam revelar uma vulnerabilidade subjacente a distúrbios afetivos, incluindo o Transtorno Bipolar. Contudo, os mecanismos que estão ligados à relação entre tabagismo e Transtorno Bipolar são, de fato, bidirecionais, complexos e multifatoriais. Sendo assim, apesar de, na maioria dos casos, o hábito de fumar tabaco ser anterior e ser um fator de risco para o transtorno bipolar, é preciso ter cautela ao interpretar esses achados e implicar causalidade.

Transtorno bipolar aumenta a probabilidade de fumar?

Sendo assim, é difícil determinar se o Transtorno Bipolar pode aumentar as chances de fumar ou se o hábito de fumar pode aumentar o risco de desenvolver Transtorno Bipolar.

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Como a maioria dos subgrupos de fumantes com problemas mentais e dependência de substâncias psicoativas, as pessoas com Transtorno Bipolar apresentam taxas de cessação do uso do tabaco muito menores do que aquelas que não apresentam outros transtornos mentais associados (3).

Da perspectiva neurobiológica, a desregulação nos sistemas de dopamina e glutamato, bem como nas suas entradas para diferentes regiões do cérebro (especialmente o córtex pré-frontal e os gânglios da base) está associada à manutenção e recaída do comportamento aditivo.

A nicotina é um agonista do receptor colinérgico nicotínico que causa a liberação de dopamina e norepinefrina. Esses dois neurotransmissores estão intimamente relacionados à fisiopatologia do Transtorno Bipolar, bem como desempenham um papel crucial na dependência química. Isso pode influenciar a suscetibilidade de pessoas com Transtorno Bipolar aos efeitos recompensadores da nicotina. Além disso, os fumantes reduzem a monoamina oxidase, que é um efeito farmacológico potencial da fumaça do tabaco, prolongando a presença sináptica de neurotransmissores envolvidos na regulação do humor (ou seja, serotonina e dopamina). Dado o suposto papel da dopamina, serotonina, noradrenalina e glutamato na patogênese do Transtorno Bipolar e da dependência de nicotina, é possível existir um forte correlato neural para a manutenção do curso da dependência (4).

Transtorno bipolar e tabagismo: consequências

Tendo em vista essa nociva associação entre Transtorno Bipolar e tabagismo, temos que considerar as mazelas consequentes. O uso de tabaco entre pessoas com Transtorno Bipolar está associado com:

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  1. altas taxas de abuso de outras substâncias
  2. início precoce do abuso de substâncias
  3. mais graves e frequentes tentativas de suicídio
  4. maior gravidade dos sintomas maníacos e depressivos, características de ciclagem rápida
  5. pior resposta às farmacoterapias (5).

Dado que as doenças médicas relacionadas ao tabaco podem ser a principal causa de morbidade e mortalidade entre fumantes com Transtorno Afetivo Bipolar e outros transtornos mentais, o desenvolvimento de tratamentos seguros e eficazes para a comorbidade do uso de tabaco em tais pacientes tem se mostrado indispensável.

Uma pesquisa online de fumantes com transtorno bipolar revelou que uma grande parcela desses fumantes (74%) está interessada em abandonar o hábito, mas apenas um terço de seus profissionais de saúde mental levanta a questão da cessação do tabagismo.

O tratamento tanto para o Transtorno Bipolar quanto para a Síndrome de Dependência de Nicotina é essencial. Em verdade, os mesmos métodos que são aplicados à população que consome tabaco sem outras doenças mentais podem ser aplicados para aqueles que sofrem de Transtorno Bipolar e são tabagistas.

É indubitável que é necessário ter cautela ao propor tratamentos farmacológicos com antidepressivos, como é o caso da bupropiona e da nortriptilina. Em relação às Terapias de Reposição de Nicotina e aos tratamentos não farmacológicos (terapias cognitivo-comportamentais, atividades físicas, acupuntura etc.), é fundamental que sejam indicados e acompanhados de forma rigorosa pela equipe de saúde que está atendendo o paciente.

O simples fato de o médico estar detidamente atento à saúde do seu filho, expressando esta preocupação de forma verbal, pode ter um impacto significativo no sentido de estimular uma atitude positiva em relação à abstinência da nicotina.

O trabalho requer tempo; contudo, é necessário. A partir de agora, com uma postura firme do médico e dos membros da equipe que tratam o seu filho, essa movimentação pode começar.
Boa sorte !!!

Referências:

1. Thomson D, Berk M, Dodd S, Rapado-Castro M, Quirk SE, Ellegaard PK, et al. Tobacco use in bipolar disorder. Clin Psychopharmacol Neurosci. 2015;13(1):1-11.

2.  Cassidy F, Ahearn EP, Carroll BJ. Substance abuse in bipolar disorder. Bipolar Disord. 2001;3(4):181-8.

3. George TP, Wu BS, Weinberger AH. A Review of Smoking Cessation in Bipolar Disorder: Implications for Future Research. J Dual Diagn. 2012;8(2):126-30.

4. Stockings E, Bowman J, McElwaine K, Baker A, Terry M, Clancy R, et al. Readiness to quit smoking and quit attempts among Australian mental health inpatients. Nicotine Tob Res. 2013;15(5):942-9. 5.      Heffner JL, Strawn JR, DelBello MP, Strakowski SM, Anthenelli RM. The co-occurrence of cigarette smoking and bipolar disorder: phenomenology and treatment considerations. Bipolar Disord. 2011;13(5-6):439-53.

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.