Por Patricia Gebrim
Para que uma relação afetiva tenha a chance de nascer e se desenvolver de maneira saudável, é necessário que seus protagonistas possuam certo nível de maturidade emocional.
Quando a imaturidade emocional de um ou de outro se impõe, cria-se uma barreira praticamente intransponível e a relação tende a terminar, em geral de maneira brusca ou desastrada. Ou pior, tende a se estruturar de maneira doentia, caso a imaturidade provenha de ambos os parceiros.
– O que seria uma pessoa emocionalmente madura?
Antes de mais nada, alguém capaz de compreender que existe uma separação entre as questões emocionais que carrega em seu íntimo e aquela pessoa real com quem está se relacionando. Toda vez que misturamos ao presente o nosso passado (nossas feridas, medos e exigências); distorcemos a realidade, nos iludimos, perdemos a capacidade da clara visão e do claro entendimento. Quando fazemos isso, passamos a não enxergar a pessoa real, e sim uma falsa imagem, uma imagem precoce e inventada, que brota de nossas próprias entranhas e é inconscientemente jogada sobre o outro, que toma proporções desproporcionais.
Um exemplo muito comum pode ser encontrado naquelas relações onde acontece, por parte de um dos lados, um apaixonamento instantâneo e feroz. Você e o outro mal se conhecem, mas de repente o outro já se mostra absolutamente disponível, abrindo mão de si mesmo, ansiando sempre por mais alguns minutos ao seu lado, passando a tratá-lo como se você fosse um ser adorado. Passa a buscar cada vez mais contato. Faz longos telefonemas, parece nunca se cansar. Envia mensagens, poesias, dá presentes, faz declarações cada vez mais intensas de amor. Vocês mal se conhecem, mas o outro já age como se você fosse tudo o que ele sempre quis. Passa a fazer planos. Manifesta todas as demonstrações de romantismo e uma intensidade sexual arrebatadora. Busca preencher todos os espaços, quer ajudar, cuidar, resolver tudo pelo outro, numa tentativa desesperada de tornar-se necessário e querido. Claro que por trás dessa entrega descompassada existe uma enorme ferida, uma dor, uma incapacidade de sentir-se alvo do amor de alguém.
Ouçam. Ninguém pode de fato "amar" alguém tão rapidamente assim. A imaturidade está em se acreditar que isso seja algo possível. Não se "ama" alguém em uma ou duas semanas. O amor, diferente da paixão, não é um fruto a ser colhido, e sim uma semente a ser plantada, regada e cuidada, até que floresça e se torne doce a ponto de ser provada. O amor requer a aceitação da luz e da sombra do outro, algo que só o tempo tem a capacidade de revelar. Muito do que é chamado de amor trata-se de paixão, há que se saber separar os dois.
Por um lado, pode ser inicialmente extremamente encantador e estimulante conviver com alguém tão apaixonado. Pode ser lisonjeiro ser cortejado, mimado, cuidado. Mas em breve tanta atenção vai tomando a forma de uma rede que nos cerca, suga nosso ar e limita nossa liberdade. Vai se transformando em possessividade, controle e manipulação, devidamente disfarçadas por uma máscara de cuidado e amabilidade.
Àqueles que são saudáveis, um sinal de alerta logo dispara, não é difícil perceber que há algo errado em tamanha entrega. Fica claro que o que está acontecendo é uma enorme e assustadora projeção. Não é a nós que o outro ama, e sim à imagem que criou em sua mente e que projetou sobre nós. É extremamente difícil, e muitas vezes impossível, romper esse envoltório ilusório. Por mais que tentemos mostrar isso ao outro, é comum que o outro não nos possa ouvir, tomado que está por esse cenário imaginário que toma como real. Acredita, com todas as fibras de seu ser, que aquilo que sente é amor e se ressente com a falta de reciprocidade que inevitavelmente começa a se manifestar.
A verdade é que não nos viu. Não existimos para ele. Não é difícil comprovar essa verdade. Basta que se tente sair da relação, ou trazer a luz da realidade mais para perto. Nesse instante é muito comum que todo aquele "amor" se transforme em uma enorme mágoa, quando não se transforma em raiva ou ódio. E o outro se retira abruptamente, ou agressivamente tenta garantir a posse do parceiro. Aí está a base de muitos crimes passionais.
Assim, precisamos ser capazes de identificar precocemente esse mecanismo, em nós mesmos ou naqueles com quem nos relacionamos, se quisermos evitar a enorme carga emocional que será inevitavelmente despejada sobre nós, caso permaneçamos sob o foco da projeção.
Entendam. Esse tipo de relação é extremamente destrutivo.
Àqueles que criam a ilusão e a projetam sobre o outro, resta a tristeza de repetir de novo e de novo aquilo que mais temem, revirando numa roda mal-ssombrada que esmaga seus ossos e seu coração. Vez após outra, revivem o abandono, a não reciprocidade, a falta de amor. Através de suas ações ansiosas e desmedidas, acabam afastando de si o que mais desejam, destroem possibilidades de verdadeiros relacionamentos e recriam e aprofundam suas feridas a cada vez que se apaixonam. Perdem uma pessoa após outra, pois ainda não estão de posse de si mesmos. Tanta perda se transforma em um ressentimento cada vez maior, que é despejado sobre os parceiros quando se dá o término da relação, como se o outro fosse culpado, incapaz de amar ou de reconhecer o valor do que acreditavam estar oferecendo.
Por outro lado, aos que recebem a carga da projeção alheia, caso não percebam a tempo, resta o enorme peso de não ser capazes de corresponder a todo aquele "amor", resta-lhes carregar uma pesada mortalha, a negação da sua existência, a culpa lançada sobre seus ombros, a perda de liberdade, as invasões em seu espaço interno, além da enorme carga de ressentimento, mágoa e muitas vezes de ódio que vem do outro quando finalmente tentam colocar fim nessa relação tão disfuncional. Em casos extremos, corre-se risco de vida, quando o outro prefere dar fim à existência real do objeto "amado" como única maneira de preservar a existência imaginária idealizada, da qual não pode abrir mão.
Assim sendo, o mais saudável, aos primeiro sinais de que uma relação dessa natureza possa se estabelecer, é que a mesma seja encerrada logo em seu início. Quanto mais tempo passa, mais aprisionadoras são as cordas que amarram e sufocam. Os avisos virão, acreditem. Portanto, confie na sua intuição, não duvide de si mesmo, e numa situação como essa, afaste-se. Envolva o outro na energia de compaixão de seu coração, mas não tente curá-lo ou salvá-lo. Cuide de si mesmo.