Índigo e cristal: crianças com “brilho” nos olhos

por Roberto Goldkorn

Vira e mexe sou surpreendido com novas denominações como geração y, crianças Índigo e Cristal.

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Corro para me atualizar e descobrir coisas que não sei. Mas na maioria dos casos descubro que não há nada de novo sob o sol.

Está começando a pegar a nova onda das crianças Índigo e Cristal. As mães modernas correm para checar e constatar se seus pimpolhos estão dentro dessa nova classificação. E deslumbradas correm para comprar livros, assistir palestras e se deleitar com o fato de serem pais e mães de ÍNDIGOS e CRISTAIS!

Assisti a uma entrevista de especialistas em Índigo e Cristal em busca de grandes revelações que pudessem diminuir a minha ignorância. Algumas frases foram determinantes para minar a minha confiança nessa nova "descoberta".

A primeira foi quando a especialista disse que quem cunhou o termo e "descobriu" essas crianças de cor azulada foi uma vidente americana que vê auras.

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– Se eu acredito que alguém possa ver auras humanas?

– Claro que acredito!

Mas não construiria nenhuma teoria crível sobre as informações de uma vidente que vê auras por mais verdadeiro que isso seja. Até porque (digo isso há 30 anos) – uma coisa é "ver" outra é entender e decodificar corretamente aquilo que se vê.

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Outra frase:

– Essas crianças têm um "brilho nos olhos".

– Preciso comentar essa frase?

Bem passemos a seguinte: "A especialista disse que 100% das crianças que nasceram depois do ano 2000 são Índigo ou Cristal". Quando se trata de generalizar sobre o ser humano, qualquer coisa que se aproxime de 100% me provoca extrema desconfiança. Na verdade a grande cor diferencial da Nova Era é justamente o mix da paleta de cores – a pluralidade, a aceitação e a convivência (mais ou menos) harmoniosa de todas as cores, credos, tribos, etc. Nada que se pareça com 100% de qualquer coisa.

Quando ouvi aquelas pessoas falando me lembrei de algo que li num livro sobre parto humanizado. O autor dizia que na década de 70 os pesquisadores chegaram à conclusão de que o bebê humano (recém-nascido) não fica sentado nem mantém a cabeça ereta porque teria nascido prematuro. Diferentemente dos outros mamíferos o bebê humano teria de nascer antes do tempo porque senão não passaria pela bacia da mãe por causa de uma falha no processo evolucionário criado quando nossos ancestrais desceram das árvores e começaram a andar eretos.

Alguns anos depois membros desse time de pesquisadores foram para Uganda e surpresa: viram bebês recém-nascidos segurando a cabecinha e parando sentados no chão de terra onde as mães os colocavam! Ou seja, quando se trata de falar de ser humano, não podemos restringir o nosso olhar aos membros de uma determinada classe social ou sociedade e depois generalizar.

Fico me perguntando, se os bebês africanos nascidos em meio à extrema pobreza e condições infra-humanas também têm o brilho nos olhos e as cores dos bebês da classe média de nossas grandes cidades.

Outra frase:

– As crianças Índigo são líderes naturais, são revolucionários enquanto as Cristal são zen, pacificadoras, não competitivas.

Lembrei de um livro do prof. Pedro Bloch cujo título "Criança Diz cada Uma…" (tem também o Dicionário de Humor Infantil – imperdível) onde ele colecionava tiradas espirituosas e criativas de pimpolhos – líderes, agitadores ou pacificadores da década de 60, 70 e 80!

– Mas então não há nada de diferente nessas crianças que nascem agora?

– Talvez.

Em primeiro lugar elas nascem num mundo que as vê como crianças e tem um tapete vermelho estendido à sua frente. Isso é importante? Claro, até pouco tempo a criança não existia como um ente em separado, ela era apenas vista como um adulto em miniatura. Suas roupas eram as do adulto em tamanho menor, os médicos que as assistiam eram os mesmos que cuidavam de seus pais e avós (pasmem não haviam pediatras muito menos puericultores -que tratam apenas do recém-nascido).

Os pais não perguntavam a crianças pequenas o que desejavam vestir, ou comer, ou a que peça de teatro ou vídeo game queriam assistir. Lembro ainda minha mãe repetir para mim: "Criança não tem querer!" Ponto final.

Claro que não estamos falando das crianças pobres de Bangladesh ou do Sudão ou do Afeganistão.

A criança é naturalmente egocêntrica e nós, pais e avós modernos reforçamos ao extremo esse egocentrismo colocando o mundo aos seus pés.

– Como não ser especial diante dessa fartura de afeto, brinquedos, oportunidades, alimentos, segurança, submissão, etc?

Já não basta o Cosmo patrocinar sobre ela o maior salto desenvolvimentista que um indivíduo pode experimentar ao longo da vida?

Um homem que vai dos 40 aos 50 anos está a anos-luz da revolução biopsíquica e cultural que experimenta uma criança que vai dos 0 aos 10 anos de idade!

– Como não ser Índigo com o espaço aberto que disponibilizamos (nós da classe média das cidades) para ela ser o centro do universo e exercitar ao máximo a sua potencialidade criadora?

As crianças que nascem agora no século 21 são pequenos deuses e deusas, mas o processo de reencarnação não cessa – almas amarguradas e sombrias também reencarnam e estão entre nós.

As grandes almas – mahatmas – sempre estiveram entre nós e continuam vindo – graças a elas também chegamos até aqui, aos trancos e barrancos.

Ou seja, nada de novo sob o sol.