Manipulação, dominação e controle no relacionamento

Muitas vezes o domínio, o controle e a manipulação de uma pessoa sobre a outra no relacionamento se dá com o objetivo do controlador se sentir amado, preenchido e seguro. Veja dois relatos de como isso se dá no dia a dia.

Recebi no WhatsApp uma afirmação atribuída a Buda: “Quando você gosta de uma flor você a colhe, quando você ama a flor você a cultiva”. Este contraponto vejo acontecer em várias formas de relacionamentos.

Manipulação, dominação e controle no relacionamento – relato 1

Mauro e Lia (nomes fictícios) são casados há vinte anos. Já faz quinze anos que ele pouco visita a família de origem, embora tenha por eles muita estima. O que houve, então? Quando ele, nos primeiros anos de casado, dizia que queria chamar a família para um churrasco ou pizza ela sempre dava desculpas, pedia para adiar, impunha uma outra atividade que dizia ser mais urgente, entre outras formas de minar as visitas. Lia passou a dizer que ele era dependente demais da família, que ela não era assim.

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Com o passar dos anos a esposa destratou sogra e cunhados, criticava todos por distintas razões, era mesquinha para dar presentes aos sobrinhos, brigava com o marido se ele falasse em visitar a família. Progressivamente ele foi desistindo, não queria irritar a mulher, preferia fazer visitas breves e furtivas ao invés de promover encontros ou sair explicitamente para visitar seus familiares queridos.

Manipulação, dominação e controle no relacionamento – relato 2

O caso de Leonor e sua filha Márcia é outro. Márcia está com 27 anos e só conheceu o pai por meio de fotos e relatos de amigos. Desde os dois anos de idade, o pai saiu de casa e se fez de desaparecido boa parte do tempo. A mãe superprotegeu Marcia e dedicou sua vida ao trabalho e a garantir o sustento de ambas. Adicionalmente, Leonor se agarrou de tal forma à filha que até a vida amorosa das duas não pareceu se desenvolver. Leonor diz que a separação foi traumática e que homem não é ser em que se confie”. Marcia ouviu versões disso o tempo todo enquanto se desenvolveu.

Assim, virou moça arisca, desconfiada de quem se aproximasse dela. Intimidade era palavra fora de seu vocabulário afetivo. Gentilíssima, mas frequentemente recusava convites de seus pares etários para festas, passeios e viagens. Alegava estar ocupada no trabalho ou dizia que amava ficar em casa, na companhia da mãe (era filha única).

Na última vez que Márcia saiu com ex-colegas de faculdade (até se divertiu, mas em meio a mal nomeados sentimentos de culpa) voltou para casa e encontrou a mãe referindo tontura e cefaleia, disse que temia que ela sofresse um acidente, bebesse demais (“você nunca se acostumou com essas coisas na nossa família e seu organismo é fraco para álcool”) e foi arrolando um sem fim de perigos imaginários ou reais que vieram à sua mente enquanto a filha tentava se divertir.

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O que há em comum nos dois relatos?

Em comum aos dois tipos de relacionamento há o encapsulamento de uma pessoa pela outra. Para se sentir amada, preenchida emocionalmente, segura, uma pessoa (a mãe e a esposa nos exemplos citados) vai insidiosa ou explicitamente dificultando que a outra parte da díade expanda seus horizontes afetivos, que a filha ou cônjuge encontre bem-estar em outros relacionamentos que possam, eventualmente, resultar numa perda relativa da importância de uma pessoa para a outra.

Escravização disfarçada de amor: influenciar o outro em benefício próprio

Influenciar alguém em benefício próprio e exclusivo é processo que prevê a escravização do outro disfarçada de amor extremo, cuidado, proteção, preocupação. Quem faz isso, na frase atribuída a Buda equivale a arrancar a flor e mantê-la num vaso até murchar.

Alternativa à manipulação e controle no relacionamento

Relacionamentos que beneficiam ambos os participantes permitem ramificações afetivas, há generosidade, desprendimento, incentivo ao crescimento. É um amor que cultiva o arbusto inicial, visando o surgimento de uma árvore exuberante, com galhos entrelaçados, muitas flores e frutos. Aqui não há como prender, o jogo é livre, aberto, alegre e leve.

Em que jogos interpessoais você tem se envolvido? Qual seu padrão mais frequente? Quem são os beneficiados e quais os resultados disso tudo? Pense com carinho e muita coragem para examinar sua vida.

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É psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Graduada em Psicologia pela PUC-SP em 1981, é Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. Publicou dezenas de artigos científicos, e de divulgação científica, além de ser coautora de livros infanto-juvenis.