Relacionamentos não se definem por atitudes isoladas. Diante de um conflito, é preciso voltar sempre ao todo.
E-mail enviado por uma leitora:
“Hoje me deparei com uma situação muito constrangedora. O que me fez parar para refletir… Será que meu relacionamento é abusivo? Eu e meu marido estávamos assistindo a um filme, quando de repente me bateu aquele sono. Meu marido começou a fazer gracinha, não me deixando descansar. O som do filme continuou normalmente em um volume considerado alto para quem está tentando dormir. Isso me deixou bastante nervosa e irritada. Então, acabei xingando horrores, pois não conseguia dormir. Pouco depois o filme acabou e ele foi se deitar. Eu nada vingativa, fui até ele e comecei a fazer o mesmo. De repente ele se levantou e foi para sala, eu fui atrás, assistindo Tik Tok em volume alto, só para ele ver como é bom quebrar o sono de alguém. Foi aí que ele ficou extremamente irritado e tacou, com toda força meu celular no chão. Foi para o quarto como se a errada fosse só eu. Achei um absurdo, pois acho ele uma pessoa controladora, onde só ele pode fazer as coisas. O que devo fazer?”
Resposta: Como é difícil apontar vilões e mocinhos numa situação como a descrita acima! Acredito que a situação foi conduzida ao ponto que chegou por uma série de erros. Dos dois.
O que importa no que você relatou?
Quando se tenta analisar uma situação como esta, que culminou em uma atitude de agressão, um telefone tacado no chão com força, não importa quem começou ou quem terminou. Importa como uma situação aparentemente tranquila, em que um casal está calmamente vendo um filme, foi se desvirtuando até esse mesmo casal chegar a sentimentos de raiva, vingança e ódio. Quando poderia, com certeza, ser conduzida de muitas formas mais adequadas e empáticas.
Vamos ao começo: você, leitora, adormeceu no meio do filme. Ok. Situação bastante normal. Pessoas não ficam com sono ao mesmo tempo. Seu marido não respeitou sua necessidade de dormir e ficou cutucando você. Segundo seu ponto de vista, o que ele deveria ter feito? Desligado a TV? Poderia. Mas ele queria continuar assistindo ao filme… Poderia ter baixado o som? Poderia. Não fez. Logo, porém, o filme terminou e ele foi dormir. Esse poderia ser o final de um episódio em que você, por algum tempo teve que adiar seu sono, sentiu-se decepcionada com a falta de empatia dele, que realmente ocorreu, e finalmente poderia dormir.
Mas você resolveu, naquela hora em que alegadamente estava morrendo de sono, se vingar dele. Ou seja, a sua necessidade de descansar parece ter sumido e dado espaço a uma necessidade de vingança. Será que aquela era a hora certa de se vingar? Ou seria melhor ir dormir e, em um momento mais apropriado, falar sobre o assunto? Será que não resolveria mais vocês, em um momento adequado para isso, estabelecerem uma regra para quando isso acontecesse novamente? Como por exemplo, colocar a TV na sala e quem quisesse dormir iria para o quarto; fones de ouvido para quem quisesse continuar vendo o filme; máscara para quem quisesse que a luz da TV não incomodasse. Enfim, existem muitas soluções que muitos casais, com certeza, já tiveram que adotar para situações como esta.
Assim, vamos considerar que a situação descrita acima foi mal conduzida pelos dois. Mas ela, por si só, não pode ser tomada como prenúncio de uma relação abusiva. É mais do que sabido que ódio gera ódio, vingança gera vingança. Então, reflita sobre outras formas de agir frente a uma situação frustrante. Evite cutucões que podem levar um homem a perder as estribeiras e partir para a agressão física. Você urdiu sua vingança, planejou atitudes que sabia que iriam irritá-lo. E conseguiu. Talvez sentiu-se vingada, aliviada, mas não resolveu o problema entre vocês. Então, respondendo à sua pergunta: “O que devo fazer?”
A resposta é: tente, de agora em diante, atitudes diferentes das que tomou, mas não repita o que fez sob pena de ter respostas parecidas com a que teve. Desta vez ele jogou o telefone. Da próxima pode jogar você caso você o provoque da mesma maneira.
Tente refletir também sobre o seu casamento de uma forma mais geral. Tirando a situação relatada acima, como andam as coisas entre vocês? Essas brigas são corriqueiras? Ele agride você do nada, mesmo quando você não provoca? E você? Costuma provocá-lo sempre da forma que fez? Consegue sentir por ele algum afeto ou está com ele para se vingar? Sim, só um apanhado geral do seu relacionamento pode ajudá-la a avaliar se você corre o risco de estar num relacionamento abusivo ou não. A princípio não parece. Mas, quando se tem uma ideia que um comportamento é destrutivo, não é adequado repeti-lo para que o outro entenda. É um método arriscado que pode inviabilizar a relação. É uma releitura do famoso “olho por olho dente por dente” que, felizmente, só encontra um respaldo legal em países e civilizações muito primitivos.
O que fazer diante de um conflito?
Relacionamentos não se definem por atitudes isoladas. Diante de um conflito é preciso voltar sempre ao todo, avaliar e refletir sobre atitudes tomadas, se colocar no lugar do outro e tentar não repetir atitudes que levaram ao caos. Ninguém consegue prever magicamente para onde um relacionamento caminhará. Mas uma boa reflexão pode ajudar a direcioná-lo para a construção e não para a destruição. Desde que haja boa vontade. De ambas as partes.
Se você, cara leitora, ainda acredita em seu casamento, tente cuidar dele e resgatar o que ainda existe de bom. E cuidado com seu lado vingativo. Tente canalizar essa energia de forma mais positiva, mais criativa e reequilibrar sua balança afetiva acreditando em sua forma de agir, evitando imitar a do outro. O mau comportamento do outro não pode e nem deve ser o modelo a ser seguido.
Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de uma psicóloga e não se caracteriza como sendo um atendimento.