Maternagem na medida certa: qual é a chave?

Maternagem tornou sinônimo de amor incondicional pelos filhos, mas esse é um conceito relativamente moderno. Nos tempos atuais, maternagem significa cuidar e proteger os filhos.

A relação mãe-filho é a base para o desenvolvimento da mente do ser humano, em todas as suas competências: cognição, enfrentamento ao estresse, afeto, percepção de si e relacionamento interpessoal. Tais competências são adquiridas e desenvolvidas ao longo de toda a existência.

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Os humanos são produtos da evolução e há 200 milhões  de anos, mães mamíferas produziram leite para seus filhos. Essa foi uma forma nova de interação entre mães e filhos, que  exigiu a evolução de novas estruturas cerebrais.  Além disso, diferente dos demais mamíferos, o filhote humano é um caso de prematuridade entre as espécies, pois ele não é capaz de sobreviver sem que tenha alguém da mesma espécie que cuide dele. Essa é uma grande vantagem evolutiva por permitir a aquisição de uma mente com, praticamente, ilimitadas possibilidades de desenvolvimento. O bebê tem uma mente que emerge da atividade do cérebro, cujas estruturas e funções são diretamente formadas a partir da experiência de relação com sua mãe.

A vida é um espaço de tempo que se inicia na gestação e que termina na morte. Ainda no útero, o ser humano já possui no seu cérebro uma abundância de opções de redes neuronais e de possibilidades de conexões  sinápticas. As opções e as possibilidades serão ativadas dependendo da interação dele com o seu ambiente uterino (sua mãe) e consigo mesmo.

Acredita-se que a possibilidade de aprendizado dos meses de gestação é ainda maior que a do primeiro ano de vida. A partir do nascimento, o ser humano continua a construir sua mente ao longo do processo de vida. A ligação afetiva, isto é, o apego primário entre ele, sua mãe e seus cuidadores torna-se a base para a modulação das emoções do bebê. As emoções regulam os processos do desenvolvimento e para o resto da vida os processos de apego permanecem no centro das funções emocionais e sociais do ser humano.

Maternagem

Nos tempos atuais, maternagem significa cuidar, proteger os filhos. Mas, maternagem para as mães ancestrais englobava tudo o que contribuía para deixar descendentes: escolher um companheiro, procurar comida, construir abrigo, lutar para um bom status no grupo e criar uma rede social que lhe desse suporte. A divisão adequada do tempo, entre essas tarefas e o cuidar das crianças, era também parte da maternagem e era uma questão de vida ou de morte tanto para as mães quanto para os filhos.

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O amor incondicional na relação de maternagem ainda permanece

Hoje, maternagem se tornou sinônimo de amor incondicional pelos filhos, mas esse é um conceito relativamente moderno. A visão da sociedade contemporânea, a respeito da mãe ideal tem sido alterada nas últimas décadas. A primeira  é a da mulher que abnegadamente cuida de seu filho o tempo todo.  Entretanto, muitas mulheres que buscaram dedicar suas vidas para cuidar de seus filhos viveram frustrações e conflitos ao longo do tempo. Em função de pressões econômicas e sociais, passando a ser uma  fonte de renda da família, a mulher precisou dividir seu tempo entre o cuidar dos filhos e a profissão. Nessa situação, muitas precisaram recorrer à terceirização dos cuidados com eles e viveram culpa e angústia  por deixarem seus filhos.

Mudam as práticas de tomar conta dos filhos com o passar do tempo, mas o amor incondicional na relação de maternagem permanece. O bebê precisa de afeto, atenção, proteção, continência, segurança. Precisa ser entendido, mais ainda, adivinhado em suas demandas pelos cuidadores que o rodeiam, sendo a mãe, sem dúvida, o mais importante. Entretanto, cumpre lembrar que apenas no útero ele tem suas necessidades atendidas a priori. Ao nascer o bebê expressa essas necessidades através do choro e depois através da mímica, do olhar, dos movimentos e dos gestos. E, ele não precisa ser atendido de imediato, pois passa a aprender a tolerar  esperas. Tal aprendizado é fundamental para toda a vida.

A criança, desde idades bem precoces, precisa de interdições, pois o “não”, adequadamente colocado, é fundamental para a organização da vida psíquica. Pertence à esfera do materno, a colocação de limites, condição para o aprendizado da regulação das emoções.

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Maternagem na medida certa

Existe ainda uma função materna, talvez a mais esquecida, que é a de estimular a autonomia e a independência dos filhos. Na natureza, por exemplo, quando a mãe passarinho percebe que as asas de seu filhote já são fortes, o joga para fora do ninho. Talvez saiba que ele não precisa mais dela. Mãe humana tem dificuldade em fazer isso.

Essa é uma função importantíssima, é a função do desapego. Na infância, as  crianças  precisam deixar de serem os bebês de suas mães; na progressão da adolescência, é precisar deixar de ser filho para se tornar adulto. Mães e pais precisam se desapegar de seus filhos para que eles se desapeguem deles. Esse é um processo lento, bem lento, muitas vezes doído, mas necessário.

Muitas mães não fazem isso, superprotegem os filhos e desejam mantê-los na sua órbita, eternamente, se possível. Fazem com que todas as atitudes de independência de seus filhos sejam vividas com culpa.

O processo de desapego corresponde, verdadeiramente ao “dar à luz”. No parto a mãe dá à luz o seu filho e esse é um símbolo constituinte da descendência da humanidade.  Ela o entrega ao mundo. O filho não é dela, não é propriedade dela

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.