por Elisandra Vilella G. Sé
Na primeira parte deste artigo (clique aqui e leia) disse que a angústia em relação à morte é aliviada ao entendê-la como o fim de um processo natural.
Assim como cada um vive a vida de uma maneira própria, com sua identidade e formação de consciências e verdades, também cada um entende o processo da vida e de seu fim de uma determinada maneira.
E por isso o cenário da morte se configura de maneiras distintas para cada sociedade, cada clã, cada tribo, cada comunidade, cada grupo, cada família. É muito difícil para todo ser humano que se apegou às fantasias e ilusões de uma vida se conscientizar que existe um fim, que tudo irá virar pó. E assim todos ficam na dúvida de buscar ou não uma imortalidade da alma.
Para muitas pessoas a angústia da morte é evidente e facilmente reconhecível. O que mais assusta em relação ao fim da vida, nem tanto o que espera, o que vai surgir, ou a perda de um futuro, mas sim a perda de um passado. É sempre o medo de que a sua memória não mais exista em lugar algum. Como nos diz Irvin D. Yalom no seu livro De frente para o Sol: "Nada é estável, nada é duradouro, tudo se evapora com a morte."
Tudo isso estamos falando para discutir e refletir aqui neste artigo algo muito importante que é a maneira como as famílias enfrentam o processo de morrer de um parente idoso que se encontra no limite da vida. Cada pessoa – dependendo do grau de entendimento da realidade, suas crenças, vínculos e normas sociais – encara esse processo de maneira diferente.
A pessoa idosa se estiver doente numa fase terminal e se estiver consciente pode resignificar sua vida em muitos aspectos buscando novos sentidos para o momento que esteja passando. E o mesmo pode acontecer com os familiares, que podem refletir sobre a significação de cada instante vivido com aquele familiar idoso, já que o processo de morte por uma doença crônica, por exemplo, traz um sofrimento físico e a perda da qualidade de vida. Os familiares também sofrem com a evolução da doença e ficam profundamente angustiados com a expectativa de uma morte anunciada, principalmente quando a doença é incurável.
O cuidar de uma pessoa idosa com doença incurável causa um desgaste emocional, físico e financeiro muito grande para toda a família que pode ir desestruturando ainda mais o núcleo familiar com o passar do tempo. É muito importante que a família busque ajuda para realizar esses cuidados, buscar entender como lidar com demandas do dia a dia daquele paciente, dividir as tarefas, buscar ajuda psicológica. Isso inclui uma assistência ao paciente e para a família que inclua o tratamento adequado para o paciente e uma assistência para o cuidador principal quanto à melhor decisão a ser tomada com relação aos cuidados com o paciente, como por exemplo, o controle dos sintomas desagradáveis que o paciente sente no processo de fim da vida. São questões até que envolve um grande debate ético.
As preocupações psicológicas e espirituais estão sempre presentes. Podem existir pendências pessoais, segredos de famílias que aproximam ou distanciam as pessoas. Certas famílias trocam farpas e culpa pela doença, pelo tratamento, pela morte do parente, por atitudes e comportamentos que tiveram ou pelo que deixaram de fazer, o que conduz à uma desestruturação familiar que compromete mais o tratamento. Portanto, os cuidados prestados devem ser feitos por uma equipe multiprofissional bem formada e preparada para lidar com as questões que afligem cada família.
Acompanhar uma pessoa com uma doença incurável que se encontra em estágio avançado e terminal é um desafio para qualquer equipe de saúde e para cada família; é uma experiência de intensa significação, especialmente se o paciente estiver com a consciência e cognição comprometida. Sua capacidade de interação com o mundo está quebrada, o que exige dos que estão à sua volta uma disponibilidade e motivação para decifrar muitos sintomas.
Enfim, acompanhar o processo de morte de um ente querido traz um profundo sofrimento emocional, mesmo a morte sendo um acontecimento natural no curso de vida. O problema está na confrontação dela, que se traduz em medo, angústia e resistência; porque em relação à morte não temos mesmo onde buscar conforto e abrigo, ninguém experienciou um momento de inexistência. O que a família não quer é a perda da pessoa, do corpo, do vínculo, dos instantes significativos, dos acordos simbólicos estabelecidos. E a reflexão sobre o acontecimento da morte geralmente resulta no aparecimento do medo. Na verdade todo mundo tem medo é de acreditar que a vida é fatalista.
Acompanhar um ente querido à beira da morte é ter que se conformar com a perda de um personagem, cuja peça de teatro foi a vida encenada de diversos modos, em diversos cenários. A grande dificuldade é que as pessoas ao redor estão vivendo identificadas com um corpo presente, um corpo e uma mente vividos que ainda vive mas em condições preocupantes do ponto de vista biológico. As famílias vivem a angústia porque estão preocupadas como vai ser, o que vai acontecer no momento de morrer. Conhecemos diversas descrições da morte, mas não somos treinados culturalmente para entender o abandono do ciclo da vida, o descanso.
Fonte: Livros:
“Morte e desenvolvimento humano”. M. J. Kovacs (Org). Casa do Psicólogo, 1992.
“História da morte no Ocidente. P. Ariès. Ediouro, 2002.