por Regina Wielenska
Faz muitos anos que atendi no hospital uma jovem senhora. Sofria de depressão, e estava melhorando gradualmente, com o auxílio de terapia e medicamento.
Num dado momento, partilhou comigo a seguinte história: o filho faria aniversário de oito anos e lhe pediu pra chamar uns amiguinhos pra comemorarem numa festa. A mãe entrou em pânico, sentiu que lhe faltariam forças e o orçamento da família em nada ajudava.
Imaginava chamar parentes, mas se chamar a pessoa x teria também que chamar a pessoa y, precisaria fazer comida pra muita gente, encomendar doces e salgados, servir todo mundo etc. Só de ouvir os planos, já dava pra sentir aflição.
Tive poucas sessões antes do aniversário pra discutir o tema. Mas o foco central das conversas tinha a ver com aprender a conciliar desejos com recursos e disposição pras tarefas. Conversamos sobre valores: a festa seria um presente pra criança ou uma ostentação cara e inútil pra familiares que pouco encontrava? A lista de participantes foi reduzida: amigos do filho (sem os pais, ensinei à cliente como insinuar sutilmente aos pais que a festa seria só pra crianças e que numa dada hora os pais poderiam vir pegá-las), além de avós, tios e padrinhos.
Qual o cardápio? Teria que ser de baixo custo, algo fácil de preparar e de servir, um sucesso de bilheteria. Cachorro quente igual ao dos carrinhos de rua: salsicha (com e sem molho), batata palha, purê, catchup, mostarda, vinagrete, maionese. Brigadeiros de montão, dispensou-se o bolo. Para beber, limonada feita em casa e refrigerante. Amendoim e batatinha chips estavam na mesa dos adultos. Lembrancinhas eram máscaras de super-herois e adesivos com o mesmo tema. As paredes foram enfeitadas com os mesmos super-heróis, tudo muito simples.
Organizou-se uma brincadeira: as crianças deveriam seguir dicas para resgatarem um cachorro de pelúcia, devidamente escondido na casa pelo pai. A recompensa era um minibaú com chocolates. No quintal instalaram uma tabela de basquete, houve um campeonato de quem fazia mais cestas. Assim passou o tempo, chegou a noite.
Ponto de vista da terapia
Resultado: um tanto de nervoso ocorreu antes da festa. A tarefa toda, do ponto de vista da terapia, foi um exercício de contenção financeira, um treino de flexibilidade comportamental e de questionamento de muitas regras.
Os adultos se divertiram ao ver as crianças brincarem pra valer, sem TV, tablet e computador.
A mesa de hotdogs incrementados congregou a todos, choveram elogios. Não faltou conversa e a festa foi fácil de administrar, com poucos adultos, todos íntimos, e crianças saudavelmente ocupadas. O ponto alto foi quando o menino, suado, morrendo de sono, já tarde da noite, abraçou os pais para lhes dizer que aquele foi o dia mais feliz da vida dele.
Emocionei-me ao ouvir o relato da cliente, essa festa representou sua luta contra a ansiedade e depressão. Ela colocou foco nos seus valores, respeitou os limites e necessidades de sua pequena família, e atingiu a meta de presentear a criança de um jeito diferente, que despertasse sorrisos.
Não confunda dar alegria ao seu filho com gastar fortunas e se desgastar sem mais poder. Menos, como já muito se disse, pode ser mais.