por Patricia Gebrim
Neste fim de semana fiz um programa inusitado. Fugi da agitação da cidade e fui ao Parque Estadual da Serra da Cantareira. Depois de uma breve caminhada cheguei à Pedra Grande, uma formação rochosa que fica num ponto alto, de onde se tem uma vista maravilhosa da cidade de São Paulo.
Enquanto estava lá em cima, rodeada daquela mata revigorante e cheia de vida (foto), salpicada por maravilhosas borboletas tingidas de um espantoso azul clarinho, olhando os prédios da cidade ao longe, pensei em muitas coisas. É incrível como ficamos mais perceptivos quando nos distanciamos um pouco das coisas, quando as olhamos de fora.
"… nosso verdadeiro ser precisa do sagrado para se manifestar. Precisa daquela sensação de paz, através da qual nos sentimos conectados a tudo que existe ao nosso redor"
Talvez tenhamos um olho extra que só funciona a partir de uma certa distância. Mas o fato é que naqueles momentos em que eu me sentei sobre aquela enorme pedra aquecida pelo sol, tendo a cidade como paisagem, me dei conta de coisas fundamentais da vida, e da falta que sinto delas.
Sinto falta da paz que senti naquele lugar. Sinto falta de silêncio. É incrível como a cidade anda barulhenta, vocês já perceberam? Sinto falta do ritmo mais lento, de conversas mais profundas, da leveza das borboletas, do ar puro preenchendo meus pulmões.
Outra coisa aconteceu comigo, lá em cima da pedra. A memória foi ativada. E me lembrei de coisas que tinha quase esquecido. Lembrei dos passeios em meio à natureza que eu fiz quando criança, me lembrei de como era divertido andar de bicicleta nas trilhas pedregosas da cidadezinha de praia que eu frequentava, lembrei de como eram importantes, naquela época, as amizades. Cada descoberta tornava o mundo mais colorido. Uma folha mais colorida era o suficiente para virar tema das conversas mais interessantes que já tive na vida. Os girinos na poça d’água se tornavam filhotes de serpentes marinhas na boca da criançada e logo estávamos dando asas à imaginação e cavalgando dragões alados em meio a furiosas tempestades de raios.
Ah, a imaginação, essa ferramenta maravilhosa que todos ganhamos de presente um dia … Como sabíamos usá-la na infância. E com nossa capacidade de imaginar, tornávamos o mundo muito mais colorido e interessante.
Fiquei pensando, lá em cima da pedra, que isso é algo que não deveríamos perder nunca. Claro que a realidade existe, e está aí com suas solicitações diárias. Mas por que não salpicá-la com azuladas gotas de delicadeza extraídas da nossa imaginação? O que temos a perder com isso? O que temos a perder em tratar as pessoas com atenção, como parceiros dessa viagem maravilhosa que é a vida? O que temos a perder se, fazendo o que é preciso no mundo, ainda assim cultivarmos a crença de que a vida seja nossa amiga e possa nos presentear? O que temos a perder se prestarmos atenção nos presentes da vida? Na cor do céu ao amanhecer, todo rosado como as bochechas de uma criança feliz?
Olhando a cidade, lá de longe, eu a vi toda pontuda. Os prédios se espetando como agulhas em direção ao céu. Lá, na cidade, nossa alma é constantemente perfurada pela crueza do concreto. E assim, resgatando minha imaginação infantil, imaginei uma chuva de algodão caindo sobre a cidade, e sobre as pessoas, suavizando as arestas, amenizando a crueza, levando suavidade e cor.
E imagino essa chuva de algodão caindo agora mesmo sobre você, salpicada daquelas lindas borboletas azulzinhas que encontrei lá em cima.
Sabe de uma coisa? Se eu pudesse lhe daria a mão agora mesmo e o levaria comigo ao alto daquela pedra, e ficaríamos horas contando um ao outro histórias de um tempo em que ainda sabíamos quem éramos de verdade. Porque o nosso verdadeiro ser precisa do sagrado para se manifestar. Precisa daquela sensação de paz, através da qual nos sentimos conectados a tudo que existe ao nosso redor.
Na impossibilidade de fazer isso com todo mundo, sopro na sua direção este artigo, contando que, ao lê-lo, um olho extra se abra em você, e você se lembre das coisas que verdadeiramente tem importância na vida, e se permita a leveza de simplesmente ser quem você é, naquele lugar sagrado que existe além da crueza dos prédios empinados para o alto, além da infinita lista de coisas a fazer; no cantinho verde que reside em seu coração.