Uma das maneiras de descrever a vida humana atual, é dizer que agora não sabemos viver
Não sei se você já notou que ninguém mais consegue conduzir sua vida sem o auxílio de um especialista. Seja para saber o que fazer em caso de conflitos emocionais, seja para melhorar as relações de trabalho, seja para educar os filhos, seja para questões de saúde, seja para comer, seja para se vestir, seja para dormir, o fato é que nenhum de nós detém todos os conhecimentos necessários para viver.
O que é viver bem?
A vida tornou-se um emaranhado de conhecimentos que deveríamos ter, mas que – na prática – ninguém consegue ter. Quer dizer, não é a vida que se tornou complexa, mas nossa maneira atual de vivê-la. A noção de viver bem supõe um aporte tão grande de conhecimentos especializados que já não temos condições de atender àquilo que, no conjunto, podemos chamar de uma boa vida. Afinal, para isso teríamos que ter tantos conhecimentos que sequer uma carreira profissional focada em viver bem poderia resolver a dificuldade.
Se trata simplesmente de que os conhecimentos existentes acerca de como deveríamos viver se tornaram tão vastos que ninguém pode dominá-los. Não é somente isso, mas também o fato de que esses conhecimentos seguem se expandindo enormemente. Isso a tal ponto que qualquer de nossas ações cotidianas em sociedade requer um grau de atenção e informações que não estamos aptos a realizá-la de maneira a fazer justiça ao que a humanidade sabe a respeito.
Por exemplo, se você pretende fornecer aos seus filhos uma educação adequada no ambiente contemporâneo, teria que saber como eles aprendem. Assim, estaria em condições de optar pela melhor estratégia. Ou seja, você teria que conhecer as várias teorias sobre a aprendizagem humana e, além disso, ser capaz de avaliar de maneira fundamentada qual delas é a melhor. Como ninguém estuda tanto para educar os filhos, terminamos procurando um especialista no assunto para nos auxiliar.
Mas é evidente, nesse caso, que com isso optamos por aquilo que os outros nos dizem e nos tornamos dependentes de seu conhecimento e de sua competência. Curiosamente, a sociedade do conhecimento – aquela em que a ciência analisa cada pequeno espaço de nossas existências e na qual o conhecimento torna-se cada vez mais poderoso – nos empurra para uma condição de ignorância.
Afinal, quando lançamos mão de um especialista, não nos tornamos menos ignorantes em determinado assunto. O que fazemos de fato é uma reverência a uma autoridade constituída. Quando vamos ao médico, ao nutricionista, ao terapeuta, ao psicopedagogo ou simplesmente quando lemos um ou outro texto de aconselhamento, o que estamos fazendo é obedecer. Afinal, mesmo os textos que tentam facilitar o acesso às informações especializadas, terminam por veicular o conhecimento existente sob a forma de um manual de conduta.
Como alimentamos nossa incapacidade de viver?
Quando tentamos qualificar nossas vidas, adequá-las ao conhecimento científico existente, terminamos adotando um tipo de procedimento que alimenta nossa ignorância e nossa incapacidade de viver. O que a sociedade do conhecimento nos diz, é que não somos aptos para tomar decisões por nossa própria conta e que necessitamos de referências. Porém, nós não estamos em condições de avaliar se os conselhos que estamos recebendo são os melhores – seja lá o que isso significa.
Então, na prática, o que predomina na sociedade do conhecimento, é nossa ignorância crescente e nossa incapacidade de alinhar nossa conduta com aquilo que a ciência preconiza. Deve haver algo de errado com um tipo de conhecimento que quanto mais aumenta, mais faz proliferar a ignorância da população.
Se hoje, as pessoas parecem dispostas a crer em coisas absurdas, é justamente por que a ciência tem nos preparado para isso há uns 200 anos. Esse despreparo crescente, essa ignorância difusa pela sociedade, essa veneração pela autoridade cresce na mesma proporção em que o conhecimento avança.