Nível socioeconômico afeta cognição na infância  

Crianças de nível socioeconômico mais baixo têm acesso reduzido a experiências cognitivamente estimulantes; entenda

Os primeiros anos de vida representam a primeira janela de oportunidades para a proteção e o estímulo ao desenvolvimento do cérebro. A proteção se dá não só com nutrição alimentar, mas também com nutrição afetiva e segurança, para que se desenvolvam os processos naturalmente codificados nos genes.

Como comenta a psicóloga Danielle Irigoyen da Costa e colaboradores em um recente artigo, o estímulo, por outro lado, acontece com o desafio, a novidade e outros aspectos que têm a intenção de elevar o potencial de desenvolvimento, estando vinculado à experiência.

Como o nível socioeconômico afeta a cognição na infância

Sabendo que o cérebro é afetado pelas primeiras experiências, os fatores ambientais podem melhorar ou piorar suas habilidades cognitivas. Dessa forma, um ambiente com pouco estímulo pode limitar o desenvolvimento de habilidades nas crianças, assim como um ambiente mais estimulante pode maximizá-las.

Neste período, o cérebro se desenvolve rapidamente e perturbações nesses processos podem ter efeitos a longo prazo sobre a estrutura e o funcionamento cerebral.

Crianças provenientes de níveis socioeconômicos mais baixos, têm acesso reduzido a experiências e contextos cognitivamente estimulantes. Além disso, a possibilidade dessas crianças viajarem, serem expostas a diferentes culturas e idiomas, visitarem museus ou bibliotecas, ou participarem de eventos educativos e culturais, tem se mostrado claramente menor.

Frente às inúmeras influências potenciais no desenvolvimento do cérebro, seria possível que os efeitos do nível socioeconômico nas funções neuropsicológicas impactassem na cognição em graus mais ou menos semelhantes. Entretanto, a literatura da área sugere que algumas funções parecem ser mais sensíveis aos efeitos do nível socioeconômico que outras. Linguagem, memória e funções executivas, como por por exemplo: planejamento, tomada de decisões, *memória operacional, flexibilidade cognitiva (pensar fora da caixa), aparecem entre as funções mais influenciadas por este fator.

Em relação à linguagem por exemplo, é esperado que a quantidade e o tipo de palavras usadas nos momentos de interação com crianças e adolescentes influenciem o seu desenvolvimento. As famílias de níveis socioeconômicos mais baixos tendem a usar palavras e frases menos complexas e em menor quantidade do que as famílias com maior renda, o que em parte, explica por que as crianças com menos recursos econômicos tendem a desenvolver mais lentamente a linguagem.

Além disso, hábitos de leitura são importantes aliados ao desenvolvimento de diferentes funções cognitivas. Ler e contar histórias auxilia a criança a desenvolver a linguagem, a imaginação, a criatividade, a habilidade de teorizar, entre outros aspectos cada vez mais evidenciados por pesquisas.

Cada conteúdo aprendido em um período da vida serve de base para o aprendizado no período seguinte. Além disso, é mais custoso reparar estes déficits posteriormente, de modo que desigualdades produzidas na primeira infância acabam por contribuir significantemente para a desigualdade percebida na vida adulta, criando um ciclo de dificuldades e desvantagens.

Por fim, os dados aqui apresentados não inferem predição, mas sim uma associação entre fatores que podem fomentar a implementação de políticas públicas que visem mitigar as desigualdades existentes, assim como voltadas para o cuidado com a saúde do cérebro.

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*Memória operacional: memória operacional, também conhecida como memória de trabalho, corresponde à capacidade do cérebro de assimilar informações à medida que realizamos determinadas tarefas. É devido à memória operacional que é possível lembrar o nome de alguém que encontramos na rua ou discar o número de telefone, por exemplo, já que esta é responsável por armazenar e organizar informações, sejam recentes ou antigas.

Fonte: Paradela RS., Ferrreira NV., Costa DI. Fatores socioeconômicos e cognitivos ao longo da vida: as diferenças fazem a diferença? In: Brain TV magazine. Edição especial/abril 2022.

Coordenador do serviço de atendimento a pacientes com tricotilomania no PRO-AMITI/IPq FMUSP. Supervisor clínico na UNIP. Psicólogo pela Universidade Metodista. Mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Terapia Cognitivo-comportamental pelo Ambulim/IPq FMUSP. Especialização em Psicologia Hospitalar pela UNISA