por Bruna Valdez – psicóloga componente do NPPI
O impacto gerado pelas novas tecnologias em nossa vida atual tem sido tópico de diversos debates. Iniciando pelos efeitos do uso do tablet na mais tenra infância, passando pelas hashtags, selfies e *shelfies na juventude e vida adulta, chegando à inclusão digital na terceira idade. O papel crucial que as novas tecnologias assumiram em nossa sociedade tem atraído crescente atenção. A mais recente propaganda do Chevrolet Ônix já adverte o cidadão: sair de casa sem o smartphone é equivalente a sair de casa desnudo.
Nossos recursos tecnológicos revolucionaram a forma de interagimos, de nos comunicarmos, bem como aquilo que esperamos uns dos outros. Mas não somente isso: com o crescente e veloz avanço tecnológico, muda também a forma de nos relacionarmos com a própria tecnologia. Atualmente, vivemos cercados de tecnologia smart; mas o que seria esse smart? E quais são as nossas expectativas frente à virtualidade inteligente que nos cerca?
Primeiramente, reconhecemos como "inteligente" a tecnologia que é capaz de se adaptar às nossas necessidades. O telefone inteligente, por exemplo, é capaz de nos fazer chegar ao lugar almejado usando o GPS, bem como enviar uma mensagem a quem desejarmos, independente da distância geográfica. Propicia-nos, ainda, entretenimento por meio dos jogos nos momentos de tédio e até mesmo, eventualmente, telefonar. No entanto, aquilo que consideramos como a verdadeira "inteligência artificial" vai muito além da mera qualidade instrumental de uso da ferramenta digital. Encaramos como efetivamente "inteligentes" as máquinas capazes de interagir conosco e com as quais podemos nos vincular.
A tecnologia smart torna-se, de fato, inteligente e essencial à medida que responde prontamente a todas nossas ânsias, inclusive a ânsia social. Nossos aparelhos eletrônicos não nos mantêm apenas perpetuamente conectados aos dispositivos digitais de outras pessoas (via facebook, twitter, whatsapp, instagram) como também se conectam conosco. É possível conversar com seu iPhone usando a função Siri ou dialogar com o S voice do seu Samsung. Você pode até mesmo presentear seu filho com um Furby, que terá seu comportamento modificado em função do tipo de cuidador que a criança será. Não é incomum atribuirmos a esses aparelhos qualidades humanas ("Como a Siri é bem-humorada", "O Furby está alegre!") e à medida que nossos dispositivos tornam-se mais interativos, esperamos cada vez mais uma tecnologia humanizada com a qual sejamos mais capazes de interagir.
No filme de ficção científica "Ela", do diretor Spike Jonze, é apresentada uma situação na qual as pessoas podem adquirir softwares que têm sua "personalidade" moldada de acordo com as necessidades de seu comprador. Por se tratar de uma tecnologia que se adéqua às necessidades pessoais dos usuários, a compra do software se torna extremamente apelativa e vemos que seu uso passa a se difundir socialmente. Há nesse filme diversas cenas nas quais, em meio à multidão, vemos diversos indivíduos conversando com seus softwares sem interagir com as pessoas ao seu redor.
Embora se trate de uma obra de ficção, "Ela" nos apresenta uma possibilidade não muito distante ou improvável, se considerarmos os rumos que a tecnologia vem seguindo em sua evolução atual. No livro Alone together, **Sherry Turkle versa sobre como esperar cada vez mais uma tecnologia humanizada pode ser uma forma de buscarmos alternativas às relações humanas: somos mais complexos, caprichosos e falíveis do que qualquer aparelho, e interagir conosco se provará significantemente mais difícil do que dialogar com uma inteligência artificial.
No entanto, vale aqui uma distinção importante: as novas tecnologias não surgiram para acabar com os laços humanos. Esses recursos são, antes de tudo, produções nossas, e ao mesmo tempo em que respondem às nossas necessidades, as refletem. Perguntar o que esperamos das novas tecnologias é, em certa medida, refletir sobre o que esperamos uns dos outros: um outro que abarque todas nossas necessidades e esteja sempre disponíve … É também refletir sobre nossas limitações, diante da impossibilidade de haver tal indivíduo. Questionarmos-nos sobre o que esperamos do avanço tecnológico é, portanto, uma forma de refletirmos sobre nossas necessidades, possibilidades, impossibilidades e sobre as formas com as quais podemos lidar com elas.
* O termo Shelfie corresponde a um recém-surgido modismo da web: uma variante do ‘Selfie’, o Shelfie é a publicação de fotos realizadas pelos internautas de seus objetos pessoais preferidos ou reveladores de suas características individuais: estantes de livros, coleções de objetos, ambientes de trabalho etc.
** TURKLE, Sherry. Alone Together: why we expect more from technology and less from each other. New York, 2011