por Roberto Goldkorn
Uma vez há muito tempo, um sujeito meio pirado, me disse que eu não era desse planeta, que a minha nave havia se perdido aqui com uma tripulação de 24 pessoas, formada por doze casais fortemente vinculados. Nesse planetinha confuso nós nos extraviamos uns dos outros, mas o que era pior os casais se separaram. A partir desse episódio, a nossa vida vinha sendo uma história de busca – buscar a outra metade perdida e tentar voltar para 'casa' seja isso onde for.
Na época apesar de achar a história absurda não deixei de ver uma lógica interna, pois eu sempre me senti meio estrangeiro aqui, e vivia em busca de alguém que recompusesse a minha unidade 'perdida'. Mal sabia eu que essa é a história da raça humana, como espécie e como individualidade. Não é só a Bíblia que nos conta essa história de forma alegórica com a lenda de Adão e Eva. Praticamente todas as grandes tradições religiosas e filosóficas nos falam dessa separação, desse rompimento com a matriz original. Erich Fromm nos diz: "A mais profunda necessidade do homem é a necessidade de superar a separação, de deixar a prisão em que está só. A falência absoluta em alcançar esse alvo significa a loucura… a história da religião e da filosofia é a resposta dessas respostas…" Ele segue dizendo que é a experiência da separação a fonte de toda a ansiedade, pois quem foi separado está desamparado.
Muitas tradições místicas veem a vida na Terra como uma espécie de exílio, de castigo através do qual perdemos o 'útero-paraíso' e fomos jogados nesse mundão sem limites, estrangeiros entre os estrangeiros, sem 'mãe', condenados a vagar em busca da porta mágica que nos levaria de volta à casa, ao seio materno, aos nossos pares originais.
As religiões perceberam antes de qualquer um esse inesgotável mercado de desamparados e separados, e nos prometeram ser a porta, nos re-ligar com a unidade esfacelada, assim como as filosofias. Mas a julgar pelo estado atual do mundo me parece que falharam. Quem não coube nesses trens teve de se virar sozinho, e mergulhou nas drogas (religação instantânea, embora fugaz), no trabalho insano, na busca pelo poder, no sexo compulsivo, nas missões redentoras e em miríades de projetos individuais alucinados.
Mas essas vias de reunificação ou são falsas, não se aplicam a todos, ou são temporárias. Nada abre essa porta a não ser o amor. Não quero parecer piegas, coisas do tipo "só o amor constrói", pois não estou falando do amor entre um homem e uma mulher, até por que quem já leu os meus livros sabe bem o que penso a esse respeito.
Estou falando do amor pela vida, que engloba todos os outros amores verdadeiros. Não poderia estar aludindo ao amor interpessoal, pois estaria excluindo dessa via, todas as pessoas que não estão amando ninguém, e acredite são muitas. Não estou me referindo ao amor da mãe pelos filhos, pois estaria colocando fora da possibilidade todos os que não têm filhos, todos os que não amam os filhos por um motivo ou outro.
O amor à vida é a verdadeira porta de entrada para a reunificação com o paraíso perdido e esse é um sentimento individual, na verdade um estado de Ser mais que um sentimento. Amar a vida significa também amar o amor em todas as suas manifestações, significa respeitar a vida e a Inteligência Maior que está por trás de cada manifestação de vida.
Mas a separação original criou suas próprias defesas e uma delas é a ardilosidade da 'mente consciente'. Como qualquer droga que cria uniões ilusórias a competência mental cria problemas para ser chamada a resolvê-los e assim mostrar serviço. Mas cria também a ilusão de que dentro de sua limitada capacidade tem as wp_posts para abrir as portas do paraíso, e quando depois de experimentar todas elas nos sentamos frustrados com um copo de veneno na mão, ela vem propor outras soluções reduzindo o mistério a sua limitada percepção das coisas do mundo e novamente nos enganando. Não, a mente não pode dar a solução para esse desafio, só o amor pode. A mente se expressa em palavras, palavras precisam ser traduzidas, podem ser mal faladas e não abarcam nem um milésimo da alma do mundo.
O amor é abrangente, é imanente, engole as fronteiras culturais e geopolíticas. O amor não precisa de dicionários e não precisa ser aprendido na escola, ele pode florescer espontaneamente ou como resultado da minha vontade de não existir mais separadamente, de cessar essa angústia sem nome que me assola sem motivos aparentes desde o início. O amor não é algo que deva ser conquistado e sim construído, tem a ver com o OLHAR, com a maneira de me colocar junto dos meus irmãos (todos) estrangeiros sem achá-los estrangeiros ou sem me achar o único nativo com direito a voto.
Desde o início do texto decidi não expressar minhas opiniões de forma dogmática ou como sendo a última palavra, e peço desculpas a todos se pareço missionário em alguns trechos, isso se deve muito mais a minha incompetência em me expressar do que a uma intenção doutrinadora. O amor deve ser assim sem intenção, sem pressão, sem cartas na manga… Sereno como a mão do pai dirigindo-se na direção da pequena mão de seu filho.
Gostaria de agradecer a todos que têm a paciência de ler os meus textos e a generosidade de me escrever com suas críticas e comentários, diminuindo assim a minha angústia da separação e alimentando o meu amor, pela vida e por todos vocês.