por Regina Wielenska
Por algumas semanas irei me valer de letras de músicas para comentar sobre padrões de relacionamento amoroso. Para dar início à série, escolhi a canção Ai que saudades de Amélia, composta por Ataulfo Alves e Mário Lago, cuja letra segue abaixo.
Ai, que saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago)
Nunca vi fazer tanta exigência, Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência, Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza, Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia, Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado, E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado, Dizia: "Meu filho, o que se há de fazer!"
Amélia não tinha a menor vaidade, Amélia é que era mulher de verdade
Reflexões acerca de um relacionamento no qual se supunha haver amor…
Pergunto ao leitor o seguinte: a canção é o lamento de um viúvo, ou teria sido caso de separação? Para os que defendem a segunda hipótese, acrescento a questão: quem decidiu acabar com o relacionamento? Amélia ou seu parceiro? No presente artigo, partirei do suposto de que Amélia está vivinha da silva, e que ele/ela tenha caído fora do relacionamento a cada dia um pouco, em função de atos e omissões, até que um dos dois formalizou o fim do que já se acabara de verdade. Estamos combinados?
Entendo que na canção um homem reclama do comportamento da segunda mulher e a chama de exigente, insensível aos limites financeiros dele, ambiciosa. Basicamente, o conflito gira ao redor do dinheiro. Certa vez ouvi uma senhora dizer que, num casamento, “se a miséria entrar pela porta, o amor sai pela janela”. Talvez seja o caso aqui.
Ao se formar um casal, é importante conversar abertamente sobre as condições financeiras de cada um, suas possibilidades e limites, expectativas, deveres e obrigações. Na letra dá para supor duas coisas: nada disso havia ocorrido e o homem está na posição de único provedor, sente frustração e raiva frente às exigências de sua anônima esposa.
Deixando de lado o contexto sóciocultural que deu substrato aos compositores, por que essas mulheres não buscaram contribuir para renda do casal? Ele não lhes “permitia” trabalhar e assim detinha o poder inerente ao dinheiro? Será que ele recebia o suficiente, mas era sovina e reclamava sempre que era instado a gastar? Ou ele trabalhava o mínimo possível e assim sua renda seria sempre insuficiente para satisfazer às necessidades da esposa, a conformista e esfomeada
Amélia ou a exigente Sem Nome?
Provavelmente ao iniciar o segundo relacionamento ele deu mostras de gozar de boas posses, tanto que a mulher quer ter acesso ao conforto, ao luxo. Amélia não tinha vaidade, não dava despesas sequer para comer. Amélia deve ter se tornado pouco atraente, e a vaidosa conquistou o coração do autointitulado “pobre rapaz”. Roupas atraentes, boa comida, cosméticos, perfumes, aquele universo de coisas materiais que contribuem para a natural beleza de uma mulher tem seu preço, e não é pouco. O homem não se dera conta disso até a hora de ser cobrado…
A crítica como defesa: retrato da fragilidade
É triste quando alguém denigre a pessoa B falando bem da pessoa A, especialmente se considerarmos que A, no passado, não recebera atenções especiais do marido, e parece que seu único mérito era sofrer sem reclamar… Por razões que não temos como inferir, ele aprendeu a desqualificar o feminino. Não cuida das mulheres, não propõe parceria na luta pelo pão de cada dia, tece reclamações e finge endeusar a anterior, só para pirraçar a atual. Tenho a impressão que ele não entrou em contato com sua própria impotência como provedor, e não quer renunciar ao papel.
Amélias mudaram, e os atuais relacionamentos precisam considerar tal fato para sobreviverem com alegria, doçura e, quem sabe, prosperidade. A cada quinzena uma nova canção aguardará os leitores. Vou por aí cantarolando em homenagem a Ataulfo Alves e Mário Lago…