por Nicole Witek
Se você já leu meus artigos, você já sabe que as posturas (chamadas de asanas) trabalham, de maneira visível, os músculos. Os músculos são as partes de “mim” sobre as quais eu tenho domínio. Posso “mexer” os músculos do jeito que eu quero, dependendo das minhas limitações físicas.
Então, uma sessão de hatha yoga vai “mexer” o corpo em coordenação com a respiração, e essas posturas vão desmanchar os bloqueios, alongar, tonificar e fortalecer os músculos.
A respiração suavizará os músculos e liberará as tensões profundas. Essa liberação atuará sobre a musculatura profunda da coluna vertebral e libertará, ao mesmo tempo, as redes nervosas, tanto do sistema voluntário como do sistema autônomo.
Essa libertação das tensões musculares e das conexões entre os músculos e os sistemas nervosos, favorecerá o fluir da inteligência corporal embutida, permitindo o bom funcionamento do ser humano.
Com algum tempo de prática, esse processo agirá de fora para dentro.
Começamos nosso yoga pela prática física, depois começamos a focar nossa atenção exclusivamente sobre a respiração. Levando nossa atenção para dentro, desviando nossa atenção dos estímulos externos para o dentro de nós, chegaremos nesse maravilhoso estado do aqui e agora, com cada parte de nosso ser. Um método holístico para nos “achar”.
Achamos que só fazendo as posturas, e prestando atenção à respiração, estamos praticando yoga… Mas yoga é algo muito mais profundo.
Não podemos esquecer que o yoga é um método completo, em perfeita condições, que foi resumido ou codificado pelo sábio Patanjali, sobre o qual não se sabe muito, mas ele escreveu “um modo de usar”, numa época em que a tradição se passava de boca a boca, desde milênios.
O yoga é um método para sair da ignorância e chegar à libertação de nosso espírito, visando a sua própria realização.
As oito ferramentas do yoga
Para usar esse método temos oito ferramentas, que podem ser classificadas em três grupos:
– Grupo de práticas éticas e espirituais
– como a gente se vê;
– como a gente vê os outros;
– como a gente se relaciona com o meio ambiente.
– ferramenta nº 1 – são os yamas = não-violência, autenticidade, não roubar, ponderação da vida sexual, não apego.
– ferramenta nº 2 – são os niyamas = higiene, contentamento, disciplina, estudo e devoção ao seu próprio ideal.
– Grupo de práticas físicas:
– Asana e pranayama
– ferramenta nº 3 – as posturas ou asanas com a consciência plenamente envolvida no processo do aqui e agora.
– ferramenta nº 4. – exercícios de purificação pela respiração e de controle do ar, que passa a se tornar controle da energia vital = prana/yama.
– Grupo de práticas de meditação
– ferramenta nº. 5 – treinar a atenção para se desligar dos estímulos veiculados pelos sentidos e que ativam a mente = pratyahara.
– ferramenta nº. 6 – treinar a mente para focar um assunto escolhido, sem deixá-la vagar, sem dispersão, com persistência e sem tensões = dharana.
– ferramenta nº. 7 – a partir da ferramenta 6, teremos a possibilidade de entrar em estado de meditação, onde a mente que conta o tempo estará afastada e a inteligência profunda tem condição de se expressar = dhyana
– ferramenta nº. 8 – aos poucos o Ser profundo, o Eu profundo, o verdadeiro Eu, que existe dentro da gente, tem condição de se expressar e podemos deixar expressar nossa verdadeira essência, simplesmente ser “um” com o que somos = samadhi.
Geralmente, o que é divulgado massivamente é o yoga das posturas e muito pouco se fala da importância da respiração, o que é um erro, pois a respiração é a única função que faz a interface entre nosso mundo da personalidade e nosso ser profundo. É a passarela para outras realidades essenciais à nossa realização.
Voltando ao assunto, tive que resumir todas essas partes ou “anga”, as oito partes: “asthanga” para realizar o yoga real ou raja yoga, ápice do yoga, para chegar ao meu ponto de hoje: a cultura mental ou cultura psíquica.
Como treinar a mente?
Começando pela ferramenta nº.5: não permitindo que as sensações despertem pensamentos dentro da mente.
O essencial do yoga é psíquico. E é mesmo. Nossa vida, tanto consciente quanto inconsciente, acontece totalmente na nossa mente, no nosso psiquismo. Não posso definir esses termos com precisão, portanto vamos nos contentar com o conhecimento intuitivo que temos.
Onde estão os objetos que enxergo ao meu redor?
À primeira vista tenho a impressão que as plantas, os objetos estão “fora”, mas será que é assim mesmo? Não, são imagens que aparecem na tela da minha consciência, são modificações de minha “substância do pensamento” ou “citta” se falarmos como yogis.
Assim quando vejo a palmeira, tem realmente uma árvore no mundo externo “fora”, mas essa que Eu vejo… Onde está se não em algum lugar da minha mente.
De fato, a energia luminosa, depois de ter percutido a árvore “volta” para mim e penetra no meu olhar sob a forma de pacotes de energia nervosa, de forma elétrica, viaja ao longo do nervo ótico para, enfim, estimular o centro da visão no meu cérebro.
Imagens mentais
Resultado: enxergo o mundo externo, enxergo a palmeira, mas não deixa de ser a imagem da palmeira na minha mente.
O mesmo fenômeno acontece com tudo que faz parte do mundo externo. Só conheço o reflexo desse mundo através das imagens na minha mente. Nunca verei diretamente um objeto qualquer. Estou sempre enxergando “Imagens” dentro da minha mente.
E quando durmo, “eu” de novo enxergo “imagens” na minha mente. Para resumir, durante minha vida toda, estou observando imagens dentro da minha mente.
Espere aí! Não é meu cérebro que enxerga essas imagens? Sim e não, porque para os yogis não é tão simples. Para eles “eu penso com o cérebro” (mas você, leitor não tem obrigação de concordar com essa forma de pensar). Veem o cérebro como uma simples ferramenta a serviço da mente. O cérebro é unicamente “a ferramenta de percepção interna”.
Vamos aceitar provisoriamente essa tese para raciocinar.
Uma das comparações clássicas para ilustrar o estado de pratyahara é a comparação com a tartaruga, que entra com a cabeça e as patas para dentro da carapaça e se “recolhe” para seu “universo” interno.
Da mesma forma o yoga recolhe os sentidos dos objetos externos para se interiorizar. Mesmo que os órgãos dos sentidos estejam em perfeita condição, por exemplo, na função visual precisamos de um olho que funcione, de um nervo ótico em perfeita condição, de uma área da visão no cérebro que integre, e também a mente tem que estar presente. A mente para os yogis é uma estrutura energética sutil e complexa que usa o cérebro. O cérebro pode funcionar, se a mente não estiver ativa, não “verei”.
Para despertar a mente, tem que ativar a atenção. A mente se torna o sujeito que percebe.
Durante o estado de vigília os 5 sentidos funcionam e invisto em cada um deles uma parte do potencial da minha atenção. Vamos dizer que o potencial seja de 100 (cifra tolamente arbitrária).
Visão é o sentido mais usado
Imagine um passeio pela floresta. O ser humano é principalmente visual: 60% do potencial da atenção estão dedicados à visão, 30% ao ouvido, 5% ao olfato e os 5% outros aos outros sentidos.
Esta proporção flutua o tempo todo, ao longo do dia e de acordo com as circunstâncias, a atenção flutuará de um sentido para outro. Se eu investir voluntariamente minha atenção, esse investimento se faz em detrimento dos outros sentidos: posso ler e usar a visão e não ouvir a chamada de minha mãe para o jantar.
Assim tenho uma dupla capacidade: deixo os sons penetrarem na minha mente espontaneamente ou posso direcionar meus sentidos para o que eu quero.
Posso ouvir a música de uma grande orquestra, mas se meu filho for o primeiro violino, posso selecionar uma parte da minha atenção para ouvir a música dele.
Quando estamos totalmente absorvidos numa atividade ao ponto de o mundo ao redor desaparecer, chamamos este estado de pratyahara.
Nenhuma disciplina de “aprendizagem” da vida e de uso de nossas ferramentas pessoais nos treina para usar o potencial da atenção de forma voluntária, adequada, modelando da forma que queremos a nossa atenção.
O yoga propõe o treino mental. Ensinar a mente escolher a porcentagem de atenção que quero dar para um ou outro sentido.
Precisamos treinar para usar corretamente a ferramenta nº 5: pratyahara. Não se pode conseguir usar as 8 ferramentas de maneira harmoniosa se não obtivermos o treino da atenção. Podemos chamar esse treino de “cultura psíquica” que é reservada para pessoas curiosas, que querem enxergar além da superficialidade.
Eu deixo essas explicações para você ir pensando sobre o assunto e no próximo artigo aprofundarei um pouco mais a ferramenta nº 5, passando para a prática.