Como conciliar a resolução de problemas gerais que envolvem o planeta como um todo, se nossas atenções estão concentradas em nossas necessidades individuais?
O mundo em que vivemos é cada vez mais marcado pelas necessidades do eu. Por toda parte o que se nota é a ampliação da dimensão individual de nossas vidas. Cada vez mais, as pessoas querem tornar-se senhoras de seu destino, decidir o que serão e como serão. De certa forma, trata-se de estender o controle pessoal sobre tudo, de tal forma que se elimine qualquer traço de imposição de elementos externos, seja lá o que for.
Não se trata somente de poder decidir as questões importantes ligadas à vida de cada um. Se trata de estender o controle da própria pessoa a todas as dimensões da existência de modo a que cada um possa viver realmente em uma situação de autonomia. Isso pode ser observado em toda parte por qualquer um de nós.
Quando se escolhe a cor de um carro, quando alguém opta por um padrão sexual distinto dos preexistentes, quando cada um reivindica atenção às suas necessidades, quando alguém se sente incompreendido pelos demais, quando não nos sentimos bem adaptados a determinados ambientes, quando queremos ser ouvidos etc. Tudo isso significa que cada vez mais cada um de nós procura uma maneira para atender nossas próprias necessidades de tal forma que possamos ser reconhecidos como quem realmente somos. Ou como acreditamos que realmente somos.
Esse parece ser um caminho sem volta, uma tendência que se acentua cada vez mais. Então, não parece que isso possa ser revertido ou que exista a possibilidade de que as pessoas passem a se sentir bem sem o reconhecimento pelas suas necessidades. Tudo indica que cada vez mais elas desejarão ser atendidas em suas reivindicações por suas peculiaridades.
Entretanto, a concentração de atenção sobre essas necessidades individuais pode se chocar com questões que extrapolam essa dimensão. Por exemplo, sabemos que os problemas ecológicos do planeta estão se ampliando rapidamente. Acabamos de passar por dois anos em que uma pandemia fez vítimas por todo o mundo. Esses problemas universais – porque são de todos – extrapolam a dimensão individual e, por isso, tendem a não chamar nossa atenção. Ou, se chamam, não envolvem os sentimentos de urgência que àqueles outros dados à individualidade já solicitam.
Limite da dimensão individual
Claro que todos nós reconhecemos o significado das questões ambientais ou da existência da pobreza e da fome. O problema é outro. Como conciliar a resolução de problemas gerais que envolvem o planeta como um todo, se nossas atenções estão concentradas em nossas necessidades individuais? É verdade que nem sempre elas estão em choque, mas há circunstâncias em que os problemas universais só podem se resolver com o sacrifício das necessidades dos indivíduos.
Por exemplo: sabemos que alguns problemas ambientais podem ser resolvidos com mudanças do comportamento das pessoas. A fome de populações inteiras poderia ser amenizada se cada um de nós ingerisse uma quantidade menor de calorias. O aquecimento global poderia ser controlado, se evitássemos a queima de combustíveis fósseis. A questão é convencer as pessoas a comerem menos e andar a pé. Ou seja, para resolver esses problemas teríamos que estabelecer limites para a dimensão individual.
Afinal, eu posso gostar muito de comer pizza, acho muito desconfortável caminhar diariamente 6 quilômetros para ir e voltar do meu trabalho ou tomar um ônibus cheio de pessoas desconhecidas que conversam alto e se comportam de uma maneira diferente da minha. Nesses casos, e em muitos outros, não parece haver soluções para problemas universais que não envolvam algum tipo de limitação da autonomia individual.
A questão é saber se estamos dispostos a abdicar do enorme valor que temos atribuído à autonomia para resolver tais problemas ou se a individualidade realmente vale mais do que tudo.