por Lilian Graziano
Às vezes (e jamais pensei que viveria o suficiente para dizê-lo) chego a invejar os matemáticos. E os engenheiros, profissionais de TI e físicos (newtonianos, é claro!). Talvez deva fundar um movimento, um partido ou pelo menos liderar uma manifestação na Avenida Paulista, na qual seriam carregados cartazes com os dizeres: “Por uma Psicologia mais exata”. Contudo, minha completa aversão à política e ao tumulto (esta última para o bem do trânsito paulistano) obrigar-me-ão a manter meu protesto restrito a este texto.
Desta forma, resta-me ir direto ao ponto.
Poucos assuntos foram tão estudados pela Psicologia quanto a liderança. Contudo, poucos assuntos possuem tantas “teorias” diferentes quanto este. E se no campo acadêmico não existe consenso, nas organizações a confusão não poderia ser menor.
Costuma-se, por exemplo, considerar a liderança como uma competência, assim como o são a comunicação, a proatividade etc.
No entanto, enquanto a capacidade de comunicação e a proatividade correspondem a habilidades/comportamentos específicos, parece-me claro que no caso da liderança estamos lidando com algo muito mais complexo e que envolve uma série de comportamentos/habilidades específicos. Sendo assim, nesse sentido, talvez seja mais correto dizer que a liderança seja uma supercompetência que envolveria vários comportamentos tais como (e por que não?) as próprias capacidades de comunicação, proatividade etc.
E para quem pensa que esse meu questionamento se limita ao âmbito da semântica, ou mesmo do purismo científico, devo dizer que minha preocupação é de caráter essencialmente prático. Afinal, não creio ser possível treinarmos líderes de maneira efetiva se não formos capazes de determinar, especificamente, quais comportamentos devam ser treinados ou desenvolvidos.
Poucas pessoas discordariam que o papel do líder seja o de motivar pessoas. Porém, em uma outra oportunidade, nesta mesma coluna, afirmei que talvez o melhor que um bom líder deveria fazer é “sair da frente”, ou seja, simplesmente não atrapalhar a automotivação do seu subordinado. Isso porque, de acordo com a Psicologia Positiva, a automotivação é inerente às situações de flow (veja aqui); situações estas em que o líder se torna prescindível. Nesse sentido, talvez devêssemos então, incluir a promoção do flow organizacional como uma (sub)competência da liderança.
Um outro equívoco que costumamos cometer é o de confundir a mera discussão das teorias de liderança com a formação efetiva de líderes. Digo isso pensando nos vários cursos de graduação e de pós-graduação que, a despeito de objetivarem o desenvolvimento da (super)competência da liderança em seus alunos, possuem currículos que se limitam à abordagem teórica do tema.
No semestre anterior tive o prazer de me livrar dos aborrecidos currículos obrigatórios e lecionar uma matéria optativa na graduação. Aproveitando essa maravilhosa oportunidade, ofereci a disciplina de Psicologia Positiva aos alunos dos cursos de Administração de Empresas, Ciências Contábeis e Marketing. Resultado: pela primeira vez em toda minha carreira universitária senti que estava, de fato, formando líderes, ainda que, durante todo o semestre, não tenha mencionado o tema da liderança. Além de apresentar a Psicologia Positiva enquanto movimento científico, bem como seu “estado da arte”, minhas aulas versaram sobre emoções positivas, virtudes e valores, bem como sobre as chamadas forças pessoais – veja aqui.
Confesso que não tive o objetivo de formar líderes, “apenas” seres humanos. E foi a partir daí que a magia aconteceu: alunos refletindo sobre suas escolhas profissionais, sobre seus papéis nas organizações e até mesmo sobre sua função como empreendedores e sobre que tipo de empresa gostariam de fundar. Ao que parece, a maneira mais efetiva de desenvolvermos bons líderes é nos preocuparmos, enquanto educadores, em formarmos bons seres humanos. Comecei a lecionar numa época em que ainda era função da escola a formação do caráter do indivíduo.
De lá para cá, 30 anos se passaram e dizer isso se tornou quase que um sacrilégio, visto caber exclusivamente à família esse papel (e, pasmem, o de fazer lição de casa também!). O curioso é notarmos que no ensino superior essa discussão sequer existe. Preferimos assumir que nossos alunos já são adultos, de caráter totalmente formado e que precisam simplesmente conhecer as teorias de liderança para que se tornem grandes executivos, empreendedores e líderes do amanhã. Enquanto isso, a mediocridade se perpetua.
* Texto originalmente publicado no livro “Somente a beleza salvará o mundo”, da IPPC Books, com crônicas de Psicologia Positiva publicadas pela autora, Lilian Graziano, em anos de colaboração na revista Psique Ciência & Vida.