por Luís César Ebraico
Tive uma empregada – chamemo-la aqui de Regina – que, embora de todo iletrada, tinha lá suas vocações filosóficas. Uma vez, entrei na cozinha e ela, com uma batata semidescascada na mão, estava estática, olhar perdido no infinito. Ao perceber que eu havia entrado, iniciou o seguinte diálogo.
REGINA (recuperada do transe): – Doutor, todas as pessoas tem sistema nervoso?
EU: – Sim, Regina, todas as pessoas.
REGINA: – E por que ninguém tem sistema CALMO?
EU (tentando recuperar-me do impacto da pergunta): – Não sei, minha filha. Mas você tem razão. Seria bem melhor que as pessoas tivessem sistema CALMO!
A que vem aqui esse diálogo? Vem a propósito do fato de que freqüentemente me perguntam o que é saúde mental. Essa pergunta pode ser respondida em vários níveis, uns mais sofisticados do que outro. Comecemos por um nível relativamente sofisticado e, em seguida, voltamos à Regina. Nesse nível relativamente sofisticado, eu falaria assim:
SAÚDE MENTAL (HUMANA) = capacidade de, mediante a interação harmônica de intenções passíveis de serem verbalmente representadas, orientar o próprio comportamento de forma a, dentro das limitações impostas pelo meio ambiente, obter o máximo possível de prazer e de funcionalidade.
Mas façamos a coisa mais accessível:
SAÚDE MENTAL = ter suficiente jogo de cintura para unir o útil ao agradável.
Mas ainda não chegamos à Regina. Tentemos fazê-lo. Comecemos assim: temperatura é uma coisa, termômetro – ou seja, medidor de temperatura – é outra. Saúde mental é uma coisa, indicadores de saúde mental são outras. Há QUATRO grandes indicadores de saúde mental, sobre os quais ainda falaremos, mas um deles, certamente, é a SERENIDADE. Mas existe um grande engano quando se coloca a FELICIDADE como indicador de saúde mental. Querem ver? Recentemente, no *Pinel, dialoguei com uma paciente que me disse como estava feliz com o fato de a filha que tinha nos braços – na realidade, uma boneca – estar tão saudável. Sua filha real tinha morrido, ainda pequena, de leucemia. Alguém é capaz de achar saudável a felicidade dessa moça?
Há pessoas que ficam estressadas e ansiosas com uma promoção profissional e outras que são capazes de sofrer intensamente, mas com serenidade, a morte de uma filha. E um dos principais fatores que determina que o processamento – do prazer ou da dor – seja sereno (no léxico da Regina, sistema CALMO) ou ansioso (no idêntico léxico, sistema NERVOSO) é a capacidade de expressarmos verbalmente de forma adequada o prazer e a dor.
Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo – reais ou fictícios – segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia. *A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.