Sempre que chega essa época do ano lembro-me de uma história da Clarissa Pinkola Estés. Ela tenta explicar por meio de uma fábula o que é “suficiente”, num pequeno livro, que traz também partes da sua própria infância. Pois bem, foi essa a minha inspiração para esse texto.
O que é suficiente para você?
Creio que seja uma boa pergunta para um mergulho em nós mesmos. Para alguns, o suficiente nunca é suficiente. Para outros, o suficiente está nos pequenos gestos, ou nos sentimentos mais profundos.
Nessa época de Natal geralmente presenteamos as pessoas que amamos, tentando expressar por meio de um objeto o valor desse sentimento. Mas sinto que às vezes, esses valores são perdidos… e o verdadeiro simbolismo natalino se perde no meio de stress e dos valores materiais distorcidos.
No conto da Clarissa, dois velhinhos pobres se encontram num casebre abandonado, fugindo do frio e da guerra. Mas é o dia de Natal. E ela descreve esse primeiro momento nessa bela frase:
“Ali ficaram sentados, dois estranhos sem nada de seu, privados de tudo, a não ser as batidas do coração.”
Fico comovida em imaginar o quanto nosso coração bate em meio à fome, à pobreza, às mais difíceis situações em nossa vida… é um pulsar que rege a nossa existência, independente da situação em nos encontramos. Não havia nada de material nessa noite de Natal, mas o principal órgão ligado às emoções pulsava incondicionalmente.
Foi então que os personagens da história se presentearam… a velhinha olhou para o céu, e disse: vou te dar o céu como presente. O velhinho, comovido com esse gesto, viu as estrelas brilhantes, e ofereceu-as como presente à velhinha. Ela ficou emocionada, e então retribuiu novamente oferecendo-lhe a lua. Ele, sem ter mais o que oferecer, ficou calado por alguns minutos, mas depois lhe ofereceu essa história. Os dois ficaram em silêncio, “pois sabiam que uma história forte, talvez mais do que qualquer coisa, poderia iluminar as florestas e campos escuros que teriam pela frente.”
E foi assim a mais bela história de Natal que eu li até hoje…
Percebi então que o suficiente é um mergulho muito mais profundo em nossos valores do que qualquer objeto material que trocamos nessas datas. Pois a maioria dos objetos materiais tem prazo de validade. Mas os sentimentos e as histórias ressoam dentro e fora da gente o tempo todo. Por muito tempo. Muito além do que podemos imaginar.
Eternize os sentimentos de amor a todos que você quer bem… é você quem está escrevendo a sua própria história.
Estés, Clarissa Pinkola. O dom da história: uma fábula sobre o que é suficiente. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.