O que se passa na mente do adolescente?

Mudanças na adolescência: alguns conseguem se adaptar com flexibilidade às circunstâncias e desafios. Outros ultrapassam essas mudanças a duras penas. Veja fatores de risco e de proteção desta fase da vida.

Na trajetória do desenvolvimento humano, a adolescência talvez seja um dos momentos mais importantes para a formação da psique. O cérebro, desde o início da vida até a hora da morte se desenvolve e se transforma, mas na época da puberdade e da adolescência, as mudanças são as mais consideráveis.

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Ao chegar à pré-adolescência, o ser humano vive muitas transformações. É uma época de visível crescimento físico e de mudanças de comportamento. As modificações corporais são acompanhadas de tentativas de viver as experiências do cotidiano de modo diferente, buscando-se mais autonomia. Surge um conflito importante entre o desejo de autonomia, de contestar, de fazer as coisas a seu modo e a necessidade de ainda receber a segurança e a proteção dos pais. Tal conflito só conseguirá ser elaborado no final da adolescência.

Da puberdade até o fim da adolescência e, não raro, ainda no início da vida adulta, predominam a desorganização, a desorientação, a instabilidade, a dificuldade de saber e de expressar o que se quer, o que se precisa, a dificuldade de escolha, as perdas na atenção, as alterações no processamento das informações, as falhas na memória de trabalho etc.

Torna-se muito difícil para o jovem, a mediação entre as pressões dos seus impulsos internos e entre as exigências para adaptação ao mundo externo, acarretando muitas vezes dificuldades de ajustamento às situações e aumento de estresse.

Em busca da própria autonomia

Cabe ao adolescente o confronto com o mundo dos pais e dos adultos em geral para buscar a própria autonomia. O desejo da independência, de dirigir o seu destino é louvável e muito desejável, pois está relacionado aos ensaios de posturas de afirmação na vida, ainda que, muitas vezes, seja atuado por experiências atabalhoadas. Mas, são justamente essas experiências que vão remodelando o cérebro, para criar padrões novos e fundamentais para o desenvolvimento.

Como fatores de risco para essa fase da vida, podem ser salientados como importantes: o uso excessivo de eletrônicos, a falta de relacionamento adequado com os pais, a falta de bons professores, a falta de modelos íntegros e respeitáveis para identificação, o crescimento da violência nas cidades e nas escolas, a falta de exemplos concretos de princípios éticos na nossa sociedade.

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Ao buscar a autonomia necessária, muitas vezes, o jovem confronta a falta de segurança, até então garantida pelos pais, se vê frente às vicissitudes dos relacionamentos entre seus pares, pode viver a falta de pertencimento, a solidão e até o vazio da existência. Ainda irá demorar um tempo para adquirir um sentido para sua vida. A ausência de ideologias, de metas, de propósito de vida que caracteriza a sociedade narcisista e individualista da contemporaneidade, torna-se um risco maior para o ser humano jovem, sozinho e desorientado.

Em relação às mudanças da adolescência, alguns jovens conseguem se adaptar com flexibilidade às novas circunstâncias e desafios, enquanto outros, ao contrário, ultrapassam essas mudanças a duras penas, vivendo mal-estar constante, altos níveis de estresse e ansiedade, e com fantasias de destruição e autodestruição. Surge o risco maior do uso e da dependência de drogas, na busca de alívio.

Bom relacionamento com os pais: melhor fator de proteção na adolescência

É importante lembrar que o relacionamento suficientemente bom com os pais é o melhor fator de proteção para a adolescência. Os adolescentes que conseguem se adaptar melhor às mudanças da idade são aqueles que receberam dos pais, afeto e segurança durante a infância, que aprenderam a lidar com limites e frustrações, que internalizaram um sistema de valores, normas e princípios de conduta e que adquiriram confiança e segurança em si mesmos. São pessoas que encontraram, em seu entorno, estruturas familiares, sociais e culturais, que reconheceram neles o valor, a competência e a viabilidade de sua existência como seres únicos. Ser reconhecido e valorizado frente a seus recursos, potencializa no jovem a possibilidade de transformar dificuldades ou adversidades em desafios e enfrentá-los.

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Autoestima como fator de proteção

Para se sentir valorizado, o jovem precisa se sentir competente no que faz, competente na construção do conhecimento e competente também socialmente. É dessa forma que a autoestima funciona como um fator de proteção importante para os riscos da idade. Cumpre lembrar que é uma boa autoestima que permite uma adequada autocrítica.

Mas, não só as trocas afetivas vividas com os familiares são fundamentais nessa época da vida. Na adolescência, as trocas afetivas realizadas fora da família assumem uma importância considerável. É aí que o jovem se testa e avalia seus recursos, estabelecendo relações interpessoais que o inserem em uma dimensão maior, no mundo não só das pessoas, mas por meio delas também no mundo das ideias. Aí, a solidão sentida antes, se atenua.

Pandemia: afastados da escola e suas consequências

No presente momento, em função da pandemia, os adolescentes estão há quase um ano afastados das escolas. Escola fechada significa falta do convívio com colegas, falta de atividades esportivas em grupo, falta da rotina de aprendizado com trocas entre pares e consequentemente aumento considerável de estresse. Criou-se um novo fator de risco importantíssimo: a falta das trocas afetivas e cognitivas fora da família. Um alerta está sendo ouvido em todo o mundo. As taxas de fantasias e tentativas de suicídio aumentaram muito nesse período de pandemia e estão preocupando os profissionais de saúde mental.

Mais do que nunca, os pais continuam com uma função muito importante em todo o processo da adolescência de seus filhos. Cumpre acompanhá-los bem de perto. Cuidado com castigos descontextualizados, com pressões descabidas e com imposição de padrões antigos, disfuncionais para a idade do filho e para a nossa época. É fundamental se criar uma relação dialética, de trocas, mediante diálogos possíveis, acordos criativos que possam garantir segurança ao filho adolescente. Confiança incondicional de ambos os lados é o desejável.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.