por Fátima Fontes
Introdução
“A violência está fortemente presente no cotidiano de nossas cidades. Não apenas a da polícia ou dos bandidos, mas também a dos salários, transportes e jornadas de trabalho; isso para não falar nas situações de doenças, acidentes e desemprego ou nas formas espoliativas de moradia. E enquanto assim for muitos permanecerão na condição de subcidadania. Sem direito à cidade.” Lúcio Kowarick, no livro: Escritos Urbanos. Pág. 55.
Mais uma vez nos encontramos neste espaço reflexivo sobre nós e nossos vínculos. Para esta reflexão, me inspirei no difícil cenário social e afetivo em que vivemos.
A escala dos sofrimentos relacionais em nossas cidades, já assumiu a escala mundial, e antigos redutos do Bem-Estar Social (Welfare State), onde o Estado cuidava e protegia seus cidadãos como Londres, Paris e outras cidades europeias, foram tragadas por um modo frio, automatizado e cruel de tratar seus cidadãos mais necessitados. Vide o filme inglês de 2016, que estreou em nossos cinemas neste meio de Janeiro de 2017: “Eu, Daniel Blake” (Direção: Ken Loach) e que bem retrata a “via crucis” de pessoas sem a proteção social.
E nossa realidade brasileira?
Triste cenário encontramos quando acompanhamos os nossos concidadãos em situação de “rualização”. Sim, eles não são moradores de rua, afinal não somos identificados como moradores de casas ou de apartamentos. Eles se perderam e perderam sua condição de vida digna sustentável e ocupam as ruas de nossas cidades, como andarilhos, se alojando em marquises e viadutos, sendo alguns deles segunda geração de pessoas nessa situação.
E como nos relacionamos com eles?
O que fazem nossos prefeitos e vereadores, eleitos por nós para cuidar e zelar pela qualidade de vida em nossas cidades?
Falamos com essas pessoas em situação de fragilização?
Queríamos que elas “sumissem” de nosso horizonte, sem nos perguntarmos para onde elas foram levadas?
E nosso Sistema de Proteção Social, tão bem articulado em Leis Orgânicas da Assistência Social, mas que se torna mecanismo de manobra política e de cinismo político partidário, até dos que se declaram grandes defensores da causa social.
Haverá saída? Eu creio que sim, como também creio que ela não sairá, infelizmente, desse nosso medíocre modelo político gestor, comprometido com seu próprio bem-estar e usando do que é público para isso, não creio em nenhum partido político, não os vejo idôneos em nada, lamentavelmente.
Mas creio no ser humano sensível, aquele que não banaliza a vida, que não tem olhos só para si, e que se agrupa em torno de alvos comunitários, ou de alianças relacionais, consanguíneas ou não.
Espaços de comprometimento
Sou apaixonada pela alma humana, e muito me encanta a nossa condição de superação e de amar.
Cada um de nós pode e deve ser um elo da cadeia de superação. O que temos feito por quem nos cerca: estamos atentos às necessidades das pessoas de nossa família? Há certo “pudor e orgulho” em torno de algumas pessoas em situação de necessidade, sentem-se humilhadas se pedirem ajuda e às vezes realmente o são.
Mas e se nós tivéssemos novas atitudes, cada um em seu próprio universo vivencial? E se nos disponibilizássemos a servir, como pudermos? Há muito o que fazer e somos múltiplos em dons e habilidades.
Há grupos que funcionam como espaço de desenvolvimento pessoal comunitário, em tempos de internet se torna bem possível buscá-los e encontrá-los e nos engajarmos nas várias frentes de ações propostas.
Há também os espaços religiosos, que se preocupam com a prática do que pregam, ainda que alguns usem a boa fé dos que creem, mas não há só esses grupos. O movimento humano de transcender nossa cotidianidade e obrigações permite que criemos espaços de fé e de adoração, que podem auxiliar na caminhada pessoal.
Mas é preciso fazer escolhas, ou nos “vitimizamos” e “culpabilizamos” o que está fora de nós como por exemplo, nosso mundo político (eu me arrepio com nosso cenário simplório e medíocre de usarmos chavões como “fora esse” ou “fora aquele”, querendo resolver o nosso atual estado de dilapidação da coisa pública em que nos encontramos, realizado por muitas mãos há muitas décadas, com a saída desse ou daquele político), ou escolhemos nos livrar da eterna “desculpa” de que não podemos fazer nada, e escolhemos o caminho do encontro, da responsabilização, da partilha e da vida comunal.
Lute, em amor, para transformar
A arte, a criação musical, os poemas, sempre servirão de bússola para nossa caminhada até “o outro e sua necessidade”.
Recebi ontem, uma linda canção, que é um poema de amor ao amar, composta por um jovem músico de 22 anos, norte americano, chamado Warren Barfield, intitulada “Love is not a Fight”. Ela é um convite à prática resolutiva do amar, e vejamos a tradução da letra da música para nosso idioma.
Amor Não É Uma Luta
Amor não é um lugar
Para ir e vir quando como desejamos
É uma casa que entramos
E nos comprometemos nunca partir
Então tranque a porta depois de entrar
E jogue a chave fora
Vamos resolver isso juntos
Deixe que nos leve a ajoelhar
O amor é abrigo
Em uma feroz tempestade
O amor é paz
No meio de uma guerra
E se a gente tentar sair
Que Deus mande anjos para guardar a porta
Não, o amor não é uma luta
Mas vale a pena lutar por ele
Para alguns o amor é uma palavra
Que eles podem repousar
Mas quando eles caem fora
Manter a palavra é difícil
O amor nos salvará
Se nós apenas chamarmos
Ele não nos pedirá nada
Mas exige tudo de nós
Eu vou lutar por você!
Você lutaria por mim?
Vale a pena lutar!
(O endereço para ouvi-la em inglês, com legendas em português é: https://youtu.be/QC7l9sU0aWk)
E para finalizar
Desejo ter convocado os leitores para essa luta, que não é uma guerra, mas que exige que façamos uma escolha, a do compromisso com os que nos cercam o que dará sentido à nossa existência e à do outro.
Não é nada fácil essa escolha, mais fácil é nos escudarmos em “gritos de guerra” sectários e medíocres! Abaixo à mediocridade! Que vença a capacidade crítica, e o compromisso de amar!
E que cada um de nós reflita em sua própria realidade e que a partir disso estabeleça novas e melhores práticas de convivência.