O surpreendente fenômeno da respiração – Parte VI

por Gilberto Coutinho

Já escrevi cinco textos sobre o fenômeno da respiração. Devido à importância do assunto, acabei me estendendo e será então um série de seis artigos. Vamos então ao último.

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As três grandes divisões e subdivisões do prana

Para o Yoga e Ayurveda, o prana desempenha, no organismo, funções fisiológicas bem específicas e vitais, sendo classificado em três divisões:

I – Pancha Prana Váyus (os cinco maiores pranas):

(1) Prana Váyu: reside na região do coração e dos pulmões, controla a respiração;

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(2) Apana Váyu: atua na região baixa do abdômen e controla as funções de excreção (urina, fezes, suor, gases, sêmen, etc.);

(3) Samana Váyu: localiza-se na região do estômago, governa a função do sistema digestivo;

(4) Udana Váyu: encontra-se na região da caixa torácica (garganta e do peito), move-se para cima, controla a faringe, a deglutição, a laringe, a voz, e glândulas tireoide e paratireoide, e a absorção do ar e dos alimentos;

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(5) Vyana Váyu: circula por todo o corpo, ao longo de todas as nadis (canis sutis de energia), nutre o sistema nervoso e separa a energia proveniente do ar e dos alimentos.

II – Upa Prana Váyus (os cinco menores pranas):

(1) Naga Váyu: tem a função de provocar a eructação e o vômito;

(2) Kurma Váyu: controla o movimento das pálpebras para lubrificar e proteger os olhos;

(3) Devadatta ou Devadutta Váyu: assegura a absorção extra de oxigênio quando o corpo encontra-se cansado, responsável pelo bocejo;

(4) Krikara Váyu: responsável pela sensação de sede e apetite, e também pela tosse e espirro;

(5) Dhanamjaya Váyu: decompõe o corpo físico, quando ocorre a morte, permanece no corpo mesmo após ela ter ocorrido e, algumas vezes, ocasiona o inchaço da decomposição.

III – Prana Váhaka: responsável pela transmissão dos impulsos nervosos entre as células nervosas (neurônios).

No Arthava Veda, existe uma antiga oração, em sânscrito, que diz: “PRAANAAPAANAU MRITYORMAA PAATAM SWAAHAA!” “Que possam o prana e apana me proteger da morte!”

Efeitos fisiológicos do Pránáyáma

Beneficia:

(1) o metabolismo do oxigênio (suprimento e geração de ATP, AMP e ADP),

(2) o sistema linfático (produz água como subproduto do metabolismo energético, o que contribui para maior quantidade de água disponível ao sistema linfático)

(3) o sistema nervoso (esse, juntamente com o sistema endócrino, rege a maior parte das funções de controle do corpo).

Mencionam-se aqui, apenas alguns dos efeitos fisiológicos, mais relevantes, dos pránáyámas (exercícios respiratórios do Yoga), e não seus diversos benefícios terapêuticos. A prática regular de pránáyáma desenvolve, de maneira natural, o hábito de se respirar de forma correta, profunda e saudável. Os pránáyámas, sem a menor dúvida, compreendem uma efetiva terapêutica respiratória de primeira ordem.

Pode-se dizer que o sistema nervoso rege as atividades rápidas, como: respiração, contrações musculares, eventos viscerais que se alteram rapidamente e até mesmo a velocidade de secreção de algumas glândulas endócrinas. Ao contrário, o sistema endócrino controla as funções metabólicas corporais. Daí, a compreensão da importância e dos benefícios terapêuticos da prática correta e regular dos ásanas (posições psicofísicas do Yoga), que massageiam e revitalizam os órgãos, plexos nervosos e glândulas endócrinas, respeitando as indicações e contraindicações, assim como o princípio das contraposições, e dos pránáyámas.

Circulação sanguínea cerebral

A cada minuto, cerca de 750 ml de sangue circulam pelo encéfalo. A circulação sanguínea no encéfalo é muito influenciada por três fatores:

(1) aumento da concentração de dióxido de carbono;

(2) aumento dos íons hidrogênio;

(3) redução da concentração de oxigênio.

Efeitos da falta de oxigênio sobre a pressão arterial. Os quimiorreceptores, que estão sempre em contato com o sangue arterial, encontram-se em pequenas estruturas localizadas nas bifurcações da carótida (artéria da cabeça e da parte superior do pescoço) e na aorta (tronco de origem de todas as artérias do corpo e que nasce no ventrículo esquerdo do coração).

Toda vez que a pressão arterial desce abaixo de um nível crítico, os quimiorreceptores são estimulados, devido à diminuição do fluxo sanguíneo, da oxigenação e do acúmulo de dióxido de carbono. Os sinais transmitidos pelos quimiorreceptores ao centro vasomotor ocasionam a elevação da pressão arterial. Embora, na faixa normal, a resposta dos quimiorreceptores não seja uma potente controladora da pressão arterial, a hipoxia (diminuição do oxigênio nos tecidos) pode agravar os quadros hipertensivos.

Hipoxia

Em geral, o distúrbio é ocasionado por: oxigenação inadequada dos pulmões (devido a uma respiração curta e deficiente, que normalmente, se agrava com a idade, o sedentarismo e problemas respiratórios); hipoventilação (distúrbios neuromusculares); doença pulmonar; transporte e suprimento inadequado de oxigênio; anemia; hemoglobina defeituosa; deficiência circulatória geral e localizada (periférica, cerebral e vasos coronários); edema tecidual; capacidade tecidual inadequada para utilizar o oxigênio (capacidade metabólica diminuída); intoxicação orgânica; e deficiência metabólica. A hipoxia pode ocasionar morte das células, e resulta:

(1) atividade mental deprimida (inclusive, coma)

(2) redução da capacidade de trabalho muscular.

Radicais livres oxidantes

O oxigênio tem capacidade de oxidar outros componentes químicos, mas precisa se converter numa forma ativa de oxigênio, como o radical livre superóxido e o radical peróxido (de hidrogênio). No entanto, quando a concentração de oxigênio tecidual é normal, pequenas quantidades de radicais livres são formadas. Porém, os tecidos também possuem enzimas que combatem os radicais livres: peroxidases, catalases e superóxidos dismutase. Enquanto o mecanismo hemoglobina versus oxigênio funcionar adequadamente e a concentração de oxigênio tecidual se mantiver normal, os radicais livres oxidantes serão neutralizados por enzimas específicas e, consequentemente, terão pouco ou nenhum efeito sobre as células e tecidos.

Oxigênio e produção de eritrócitos. A redução da quantidade de oxigênio no organismo aumenta a produção de eritrócitos (glóbulos vermelhos). Na anemia, há um aumento de produção de eritrócitos, como ocorre também nas grandes altitudes, insuficiência cardíaca, nas doenças pulmonares e hipoxia tecidual.

Terapia respiratória (TR)

É comum o profissional da área da saúde fazer recomendações ou prescrever terapias, tais como, fisioterapia, psicoterapia, acupuntura, dietas, hidroginástica, fonoaudiologia, etc., mas raramente a terapia respiratória (apenas nos casos mais graves e avançados, quando os pulmões, a árvore brônquica e os músculos respiratórios já se encontram bem enfraquecidos). A proposta é prescrever, orientar e administrar a terapia respiratória (TR) de forma profilática e precoce, antes que uma simples dificuldade respiratória for detectada, uma vez que muitos problemas de saúde podem ser prevenidos e combatidos com uma adequada respiração.

Como respirar de forma correta e saudável?

No Yoga, existem diversos exercícios ou técnicas respiratórias que podem ser aplicadas, de forma efetiva e regular, com finalidades terapêuticas diferentes. O exercício a seguir chama-se Prána Kriya Pránáyáma ou respiração completa. É um dos primeiros exercícios respiratórios a ser ensinado e praticado, pois combate a respiração deficiente.

A primeira etapa compreende exercitar e ampliar a capacidade respiratória em três regiões pulmonares:

(1) respiração baixa ou abdominal (Addháma pránáyáma);

(2) respiração média (Madhyáma pránáyáma);

(3) respiração alta ou subclavicular (Uttháma pránáyáma).

Respiração baixa:

Deite-se em decúbito dorsal (posição do corpo quando está deitado de costas) e flexione os membros inferiores, mantendo as plantas dos pés ao chão. Flexione os braços e repouse, levemente, as mãos sobre a região do umbigo. Feche os olhos, concentre-se na respiração e relaxe. Respire de forma lenta, profunda e rítmica, prolongando a entrada e a saída do ar dos pulmões. Ao inspirar, direcione o ar inspirado para a base dos pulmões, enquanto o ventre se move para cima, e, ao expirar, para baixo. Repita, com concentração, o exercício algumas vezes, objetivando ampliar a capacidade respiratória baixa ou abdominal.

Respiração média:

Repouse as mãos lateralmente às costelas. Volte à atenção para a região média dos pulmões e concentre-se. Inspire, como recomendado anteriormente, e direcione o ar inspirado para a região média dos pulmões, enquanto as costelas se expandem lateralmente. Ao expirar, sinta que as costelas se retraem, retornando à posição inicial. Repita com atenção a respiração média, algumas vezes, respirando de forma lenta e profunda, objetivando ampliá-la.

Respiração alta ou subclavicular: Repouse as mãos sobre a região das clavículas e concentre-se na respiração e na região. Ao inspirar, direcione o ar para a região superior dos pulmões, enquanto as clavículas e a região superior do peito se expandem. Ao expirar, sinta que a região se retrai. Repita, com concentração, o exercício algumas vezes, respirando de forma lenta e profunda, procurando ampliar a respiração alta.

Prána Kriya Pránáyáma (respiração completa)

Técnica:

Deitado em decúbito dorsal, mantenha os membros superiores e inferiores extendidos e relaxados. Ao inspirar, de forma lenta e profunda, realize a respiração baixa, direcionando o ar inspirado para a região inferior dos pulmões, enquanto o abdômen se move para cima. À medida que o ar preenche a região média dos pulmões, as costelas se expandem lateralmente (respiração média), e, por último, o ar preenche a região superior dos pulmões, enquanto as clavículas e a região superior do peito também se expandem (respiração alta), quando os pulmões se encontram completamente preenchidos de ar. Ao expirar, lentamente, primeiro se retraem as clavículas e a região superior do peito, depois ocorre a retração das costelas, e, por último, ocorre o movimento do ventre ou abdômen para baixo, quando os pulmões se encontram, praticamente, esvaziados. Com concentração, repita o processo algumas vezes, respirando de forma lenta e profunda, prolongando a entrada e a saída do ar dos pulmões.

Efeitos terapêuticos:

Combate a respiração deficiente; acalma e revitaliza o sistema nervoso (auxiliando no combate da ansiedade, do estresse e da hipertensão); purifica e fortalece os pulmões, assim como fortalece os músculos respiratórios; purifica as nadis ou canis sutis de energia por onde o prana também circula no organismo (segundo o Yoga, existem cerca de 72.000 nadis espalhas pelo corpo); amplia a capacidade respiratória; auxilia na prevenção e no combate das afecções respiratórias; e beneficia a musculatura peitoral, das costas, do pescoço e a coluna vertebral.