por Ceres Alves de Araujo
Muitos acreditam que vivemos em uma época de uma violência impar. A mídia mostra com dados numéricos que a violência nas ruas das grandes cidades é, de longe, a maior causa de mortes nos tempos atuais. Nas escolas, as manifestações de agressividade, do bullying aos assassinatos, passaram a ser tão frequentes que deixaram de causar horror e mesmo impacto. É como se o comportamento violento passasse a ser tolerado e avaliado como comum.
Grande parte da sociedade mundial sofre com a violência. No Brasil, ela tem feito milhares de vítimas, inúmeros casos ocorrem nas ruas das cidades, mas em outros, a violência é praticada dentro da própria família. Atos violentos constituem os principais fatores de mortes de adolescentes e jovens adultos. É indiscutível que vivemos tempos difíceis. Uma série de problemas sociais graves, no País, podem ser pensados como desencadeadores dessa situação.
Há estudos que postulam que o ser humano é, na contemporaneidade, mais agressivo e mais violento que anteriormente, o que possivelmente não é verdadeiro.
Provavelmente a impulsividade e a agressividade são as mesmas, tendo se tornado apenas mais reprimidas à medida que o ser humano veio se civilizando no decorrer dos tempos.
Muitos acreditam que a violência que aparece nos desenhos assistidos pelas crianças atualmente é expressivamente maior que nos desenhos de décadas atrás. Consideram esse um fator importante para desencadear condutas agressivas e altamente violentas por imitação.
De fato, as crianças assistem aos desenhos, aos filmes de super-heróis ou sagas de heróis e depois brincam, exercitando-se nos papéis de heróis ou de vilões. Muitas vezes os vilões são até mais atraentes, pois são eles que podem fugir às convenções morais e por isso se tornam mais audaciosos. Quando a criança brinca de ser, por exemplo, o Batman ou o Coringa, ela não brinca de ser, ela é o Batman, é o Coringa.
Quanto mais jovem é a criança, mais mágico e coletivo é o seu brincar. O dinamismo dos opostos existentes nos símbolos que se expressam no brincar, leva, especialmente nos jogos das crianças, à representação do Bem e do Mal, que intuitivamente são integrados.
Brincar e desenvolvimento da personalidade
Brincar é uma forma primordial de atuação criativa. Mediante o brincar a criança desenvolve o seu eu, desenvolve a consciência de quem ela é, comunica suas vivências internas e apresenta seu contato com o mundo e as pessoas. Entrar em contato com o mal, com a agressividade mediante o brincar, é uma forma de conhecer a própria impulsividade e aprender os controles sobre ela.
A criança prefere, muitas vezes, a explicação fantasiosa que, embora não corresponda necessariamente aos acontecimentos reais, traz para ela um significado além da realidade dos fatos, que lhe permite construir seu mundo próprio. Ao brincar, abre-se para a criança uma porta para um mundo de significados que podem ser atribuídos aos personagens que ela acompanha assistindo e depois imitando.
Os desenhos, os filmes, as histórias fornecem material para que as crianças possam fantasiar a respeito do bem e do mal e nesse sentido são válidos. Os desenhos e seriados de antigamente, na época dos avôs e das avós dessas crianças não eram menos violentos.
Os leitores aqui que já passaram da casa dos 50 anos de idade, poderão lembrar, entre outros, do National Kid na sua luta contra os Incas Venusianos; do Zorro na constante pancadaria com o Sargento Garcia; do Flash Gordon; do Pepe Legal; do Popeye; do Tom e Jerry, do Bonanza; e das histórias de faroeste com os frequentes ataques de índios. Quanto aos pais e mães de agora, certamente recordarão do Capitão Planeta; do Bip-bip; do He-Man; do Incrível Hulk; da Águia de Fogo; da She-ra; do Miami Vice; dos Cavaleiros do Zodíaco; e do Thundercats; entre tantos outros das décadas de 80 e 90, repletos de lutas, pancadarias, entre heróis e vilões.
Talvez a tecnologia dos desenhos e filmes atuais, os façam mais rápidos, com cores mais vibrantes com recursos de técnica mais impressionantes. Mas a agressividade é a mesma e em geral, o bem ainda vence o mal.
É possível que o problema maior, nos dias de hoje, resida no tempo enorme que as crianças passam frente aos aparelhos eletrônicos, onde assistem aos filmes e jogam. É o que lhes resta, pois as ruas ficam para elas interditadas pelos perigos reais, o espaço doméstico reduziu-se e o uso do corpo no brincar é cada vez menor e condicionado às academias ou escolas de esportes.