por Monica Aiub
“Filosofia auxilia a viver bem e a morrer bem”
Retomo a coluna com uma questão que perpassa a história da humanidade, permanecendo sem solução: a morte.
Qual o sentido da vida diante de uma experiência com a morte? Diante da perda de nossos queridos? Diante da iminência de nossa própria morte?
Perguntas como:
“Por que eu?”
“Por que ele ou ela?”
O que acontece quando morremos?”
“Como posso continuar a viver?” surgem comumente em contextos de morte.
Mudanças radicais, significados do viver que se vão, necessidade de novos sentidos, não perder tempo com futilidades, dedicar seu tempo às futilidades… estas e muitas outras modificações podem ocorrer diante de uma experiência tão radical quanto a morte.
Por vezes, não é preciso que morra alguém próximo ou que passemos nós pela iminência do morrer. Basta que surjam sinais em nosso organismo para a ação da ideia de terminalidade ser iniciada. Um organismo que, diante de doenças ou fragilidades recebe mensagens de morte, ainda que ocorra a recuperação posteriormente poderá provocar estas e outras reações. Um organismo sadio, considerando-se a perspectiva fisiológica, diante de sensações de morte provocadas por frustrações, projetos não realizados, decepções existenciais, poderá gerar reações similares à experiência de morte.
A ideia da perda de um ente querido, ainda que não esteja embasada em fatos concretos, ou a perspectiva da própria morte a partir de abstrações, em algumas pessoas poderá gerar efeitos tão ou mais intensos.
Obviamente, cada pessoa reage às situações de modo muito peculiar. Não é possível apontar as mesmas reações para todas as pessoas. A variação é natural, não os padrões. Ainda assim estabelecemos reações padrão para as situações do viver e do morrer, tais como um tempo determinado para o luto, a compreensão de que a morte é inevitável, a crença em uma vida melhor após a morte, entre tantos outros padrões estabelecidos social e culturalmente.
Como já é sabido pelo leitor que acompanha a coluna, em filosofia clínica não é possível determinar padrões de resposta às situações do viver e do morrer, simplesmente porque cada pessoa é única e lida com suas questões de acordo com seus modos de vida.
A morte é uma questão filosófica, tanto por que não temos respostas, explicações razoáveis para ela, como por que é inevitável, mas principalmente pelo fato de nos mobilizar, de nos tirar de nossas tranquilidade e nos provocar às movimentações existenciais. Como terminalidade da vida, a morte parece não ter sentido. Para que viver se vamos todos morrer? E em alguns casos não tem mesmo sentido. Por outro lado, se vamos mesmo morrer, o saborear a existência, o tornar a vida o melhor possível, o viver a beleza, a vontade, o respeito a si e ao outro pode se constituir como sentidos do existir.
E, talvez, diante da questão, possamos pensar como alguns filósofos da Antiguidade, tais como Platão, Epicuro, Sêneca, entre outros: a filosofia nos auxilia a viver bem e a morrer bem. Lembrando, é claro, que viver e morrer bem não é o mesmo para todos. O que é para você, leitor, viver bem? E morrer bem?
A primeira resposta que me ocorre é: não sei! Um não-sei acompanhado de um enorme desejo de descobrir, mas a consciência de ser uma descoberta que nunca se finda, que permanece aberta às possibilidades de vida.
Mas uma segunda resposta imediatamente me toma: não aceitar viver o desrespeito, ser tratada como moeda de troca, e qualquer outro tipo de violência tão comum em nossos dias, e tão indigna para uma vida bela.
E você, leitor, quais são suas respostas?
De que modo a filosofia poderia nos auxiliar a viver bem e a morrer bem? Há diversas maneiras. A primeira delas é, exatamente, provocando a reflexão acerca do que é viver bem e morrer bem. Estas são questões para as quais dificilmente olhamos, de tão preocupados que estamos em nos manter vivos. Mas observá-las, refletir sobre aquilo que nos faz bem e o que nos faz mal, sobre o que de fato necessitamos e do que podemos prescindir, sobre o que desejamos e o que suportamos, sobre nossas formas de convivência e o quanto elas nos afetam, sobre as possibilidades de nosso existir… Estes e muitos outros pontos podem ser observados, pensados, modificados em nossa vida, a partir do momento em que nos questionamos sobre algo que parece tão óbvio, mas no qual raramente pensamos: o que é viver bem e morrer bem?
Muitos tentam traçar regras únicas, fórmulas para o bem viver. Da morte pouco se fala, melhor se ela não existisse… contudo esta possibilidade não nos é dada. Então, pensar sobre ela também é importante, e fingir que ela inexiste poderá nos trazer muitos problemas quando nos depararmos com algum tipo de experiência com a morte. Muitos tentam um enquadramento dentro dos padrões “normais” do bem viver, sem sequer perceber o quanto isso lhes impede de, realmente, viver bem. E, novamente, diante de situações de tal natureza, como a filosofia poderia nos auxiliar? O conhecimento de si, de suas necessidades, assim como o conhecimento das possibilidades existentes no mundo é o que busca a filosofia. Ela nos move ao questionamento do óbvio, à investigação do que parece ser muito sabido, mas que de fato desconhecemos. Ela nos permite ampliar os horizontes de nossa compreensão e, consequentemente, de nossa realidade, na medida em que nossas escolhas, decisões, ações, possam ser pautadas num conhecimento fundamentado sobre o mundo e sobre nós mesmos.
Quais são as bases de seu pensar? O que você considera para decidir acerca do que é viver bem? Como você orienta suas ações para o bem viver? Você considera o convívio com os outros quando define o que é viver bem? Você já pensou o que seria morrer bem?
E, por mais que tenhamos definido o que é viver bem e morrer bem, e que nossa definição possua bases sólidas no conhecimento do mundo, do outro e de si mesmo, ainda assim necessitaremos retomar o questionamento e a pesquisa, porque o mundo muda, nós mudamos, os outros também… o inesperado ocorre e, de repente, toda a nossa vida já não é mais a mesma. É preciso, então, atualizar as pesquisas e recomeçar…