por Monica Aiub
Quando ouvimos falar em paixões dominantes, logo pensamos em seres apaixonados, em paixões que tomam inteiramente nossas vidas, tornando-se o foco principal de nossa existência. Pensamos em grandes e envolventes relacionamentos, em histórias das grandes paixões humanas que são narradas nos livros e filmes.
Em filosofia clínica, Paixões Dominantes é um dos tópicos da Estrutura de Pensamento, que envolve não somente a ideia comum de paixão, mas sua ideia originária.
Vinda do termo grego pathos, assim como a palavra patologia, a palavra paixão significa, em seu sentido originário, aquilo que vem de fora e nos toma.
A origem comum entre patologia e paixão nos faz pensar: o que há em comum entre elas?
Do sentido originário, o comum está no fato de sermos tomados por elas de tal modo que possam dominar nossa capacidade de existir, de sermos envolvidos a ponto de nossas ações serem determinadas, muitas vezes, por elas.
Ao mesmo tempo em que são vistas como capazes de gerar maravilhas na história da humanidade, as paixões e as patologias também podem ser geradoras de muito sofrimento, de destruição, de guerras. Não são, portanto, boas ou más em si. Apenas são um dado possível em nosso existir.
Há quem viva por uma única grande paixão, há quem tenha várias paixões na vida, e há também aqueles que jamais se apaixonaram ou, ainda, os que estiveram por alguns momentos apaixonados, mas vivem a maior parte de suas vidas sem paixões. Apesar de algumas pessoas defenderem que as grandes paixões são necessárias para a vida, é possível que alguém viva muito bem sem elas, dada a diversidade de nossas necessidades. Como isso se dá para você, leitor?
O interessante nas paixões é o fato de que não são os objetos geradores das paixões a questão, mas o efeito provocado em nós. Por exemplo, você já esteve apaixonado por alguém a ponto de suas ações serem em função dessa pessoa? Não foi a pessoa que provocou essa reação em você, mas a afetação, a paixão que lhe moveu. Já esteve apaixonado por uma ideia, por um projeto? Não foi a existência da ideia que lhe determinou as movimentações, mas o quanto você foi afetado ou não por essa ideia.
Apaixonado por repulsa
Outro dado interessante de se observar é que nem sempre o "estar apaixonado" significa uma espécie de encantamento ou um desejo de realização. Podemos ser afetados por ideias que não desejamos, ou projetos que execramos, ou por pessoas que nos causam repulsa, e ainda assim, estarmos "apaixonados". Ou seja, as afetações nos tomam de modo tal que, ainda que não desejemos, que execremos, que haja repulsa, somos movidos por nossas paixões.
Paixão dominante: frequência de uma ideia dominar pensamentos
No tópico Paixões Dominantes, em filosofia clínica, o ponto a ser observado é a frequência com que uma ideia domina nossos pensamentos, sentimentos e ações. Por exemplo, alguém que pense em futebol ou política, ou qualquer outro assunto, com muita frequência, poderá ter tal assunto como Paixão Dominante; alguém que pense em outro alguém com muita frequência, poderá ter essa pessoa como Paixão Dominante; alguém que se preocupe com uma questão frequentemente, poderá tê-la como Paixão Dominante, e assim sucessivamente. Você tem Paixões Dominantes? Quais são elas?
Ter uma Paixão Dominante não é, em princípio, algo bom ou ruim. Por exemplo, o sujeito que pensa em futebol o dia inteiro, que traz o futebol para a conversa sempre que possível, pode ter isso como uma característica, e ela em nada atrapalhar ou auxiliar sua existência. Um outro sujeito, que tenha a mesma característica, pode dar peso tal a ela que se torna preso à sua Paixão Dominante, não se permitindo pensar, sentir e fazer outras coisas que possam ser necessárias a ele. Outro, ainda, pode unir sua Paixão Dominante a uma busca, ou a um contexto favorável, e encontrar nela a forma para impulsionar suas realizações. Ou seja, é preciso observar o peso, o papel e as interações das Paixões Dominantes com os outros elementos da vida de cada um. Qual é o peso de suas Paixões Dominantes, se você as tiver? De que maneira a presença ou ausência de tais Paixões interfere em seu cotidiano? O que você pensa, faz, sente em função dessa Paixão Dominante?
Ideias pessimistas e medo como paixões dominantes
Em casos extremos, uma Paixão Dominante pode se tornar um grande problema. Por exemplo, se a pessoa tem como Paixões Dominantes ideias extremamente pessimistas – não me refiro aqui a dados de realidade observáveis, que indiquem a possibilidade das coisas não darem certo; refiro-me a ideias sem um fundamento concreto, que habitam os pensamentos da pessoa – suas ações poderão ser definidas por tal pessimismo, impedindo a realização de muitos de seus projetos.
Um medo, como Paixão Dominante, poderá, dependendo de seu peso, seu papel e suas interações, impedir a movimentação existencial da pessoa, levando-a, inclusive, a estados de pânico. Observe que, ainda que o medo tenha uma função importante em nosso existir, tê-lo como Paixão Dominante poderá ser um problema. Ressalto aqui que não se trata de apontar medo, pessimismo, ou quaisquer outras características como ruins, apenas indicar que, dependendo do peso, do papel e das interações com o todo da existência de cada um de nós, o impacto de uma Paixão Dominante poderá ser um fator fundamental em nosso modo de ser, sentir, pensar e agir.
Como uma surge uma paixão dominante?
Não há como saber sem observar a historicidade de cada um. Há Paixões Dominantes que se originam no contexto de nascimento, no convívio familiar, no desenvolvimento de uma atividade. Outras são originadas por agendamentos, ou seja, por coisas que nos foram ditas e que incorporamos. Outras possuem origem na junção de outros dados, tais como, por exemplo, pré-juízos, emoções, buscas etc. Você consegue identificar a origem de suas Paixões Dominantes, se as tiver?
Como lidar com as Paixões Dominantes é a grande questão e, como tudo em Filosofia Clínica, não há uma resposta única para fazê-lo. É preciso, antes de qualquer coisa, compreender a gênese, o peso, o papel e as interações de uma Paixão Dominante com os demais elementos da existência e, diante do quadro apresentado, encontrar as melhores formas para lidar com elas. Seja evidenciando, diminuindo o peso, impulsionando buscas, provocando cautela, ou qualquer outro caminho a ser trilhado, o importante é que a forma de lidar seja compatível com suas necessidades e possibilidades, assim como com as necessidades e possibilidades do mundo à sua volta.
Para saber mais:
AIUB, M. Como ler a Filosofia Clínica: Prática da autonomia de pensamento. São Paulo: Paulus, 2010.
_____. Para entender Filosofia Clínica: O apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: WAK, 2004.