Pandemia: causa e justificativa para problemas de crianças e jovens

Problemas psicológicos decorrentes da pandemia impactaram crianças e jovens; entenda

A Pandemia do Covid-19 foi uma catástrofe semelhante à Peste Negra e a Gripe Espanhola de muitas décadas atrás. Só não ceifou proporcionalmente tantas vidas, como as pandemias anteriores, em função da evolução da Medicina e dos avanços da tecnologia.

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Sem dúvida, foi a maior adversidade vivida pelo planeta neste século, impactando a vida do ser humano de todas as idades, nacionalidades, raças e etnias, ainda que fatores socioculturais e econômicos tenham determinado diferenças no controle da doença. 

Todos fomos traumatizados, todos vivemos o estresse pós-traumático e ainda vivemos o luto pelas perdas generalizadas que tivemos. O “novo presente” tão anunciado pelo otimismo irrealista no final dos tempos da Pandemia, não ocorreu. Vimos até a eclosão de uma guerra em moldes sequer imagináveis.

Mas, somos sobreviventes. A capacidade humana para adaptação a novos contextos faz parte da preservação da espécie.

Pandemia: causa e justificativa para diversos problemas de crianças e jovens

Atualmente, tenho percebido na minha prática clínica, como psicóloga, que a Pandemia passou a ser a causa e a justificativa para inúmeros problemas de crianças e jovens.

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Escuto frases como: 

– “desde a Pandemia meu filho mudou muito, não faz mais as lições, não se interessa por aprender, tendo já se recusado a assistir às aulas online”;

– “desde a Pandemia, a escola se desorganizou, não consegue mais motivar, agradar às crianças;

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– “com a Pandemia, meu filho deixou de ter amigos e não consegue mais se socializar”;

– “meu filho não obedece mais, não segue regras, desde a pandemia, pois ficou mais de um ano sem ir à escola” etc.

No ano 2020, a maioria das escolas fechou no primeiro semestre para as aulas presenciais, começando ainda que precariamente as aulas online que se mantiveram por mais 3 semestres. Algumas escolas particulares mantiveram esquemas optativos de grupos pequenos de alunos que se revezavam alguns períodos na escola, que evoluíram para grupos maiores até o final de 2021.

Com os recordes de Covid-19 e de suas variantes, apenas em janeiro e fevereiro de 2022, as escolas estaduais e municipais do País retomaram as aulas presenciais.

Foram praticamente dois anos sem aulas, sem dúvida um prejuízo imenso do ponto de vista do aprendizado acadêmico e social para todas as idades de crianças e jovens. A verdade que se constatou é que quanto mais novo é o ser humano, menor a capacidade dele se beneficiar do aprendizado à distância.

Os estudantes não foram retidos no final de 2020 e nem no final de 2021, com raras exceções. Em 2022, nas aulas, então só presenciais, se verificou a grande perda. Não só se constatou uma defasagem pedagógica importante, mas também houve a perda em muitos casos da motivação, do desejo e da disciplina necessária para aprender.

Em 2023, alunos de todas as idades, pais e professores continuam se adaptando, tentando recuperar a escolaridade desejável e muitos estão conseguindo. Esses não serão apenas sobreviventes, poderão ser resilientes, os que sofreram, mas também aprenderam com a adversidade.

Pandemia: lente na educação dos filhos

A Pandemia foi uma catástrofe sem dúvida, mas não pode ser considerada a causa de todas as dificuldades. Por isso, considero que a Pandemia está sendo uma lente que põe em evidência dificuldades antigas no processo de criar e educar filhos. Fazer lição de casa é obrigação do aluno, não é escolha. Ensinar a obedecer é função dos pais e não dos professores. É função da escola criar o interesse pela construção do conhecimento, não é função da escola agradar os alunos.

As estratégias sociais são treinadas desde o início da vida da criança e ainda é função dos pais, apesar da escola fornecer um espaço muito importante para esse treinamento. Bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos, todos sofremos com os anos que perdemos, com as oportunidades encerradas, com os sacrifícios que tivemos que fazer, mas é fácil, muito cômodo e inconsequente endereçar todos os problemas à Pandemia.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.