Pandemia prolongada: como cuidar da saúde emocional

Neste post, um guia completo para você ‘se limpar emocionalmente’ dessa pandemia prolongada

Introdução

Continua após publicidade

“O meu povo habitará em morada de paz, em moradas bem seguras e em lugares quietos e tranquilos, mesmo que haja granizo, caia o bosque e a cidade seja inteiramente arrasada”.

(Bíblia Sagrada, Livro de Isaías 32:18).

Que tempos medonhos seguimos vivendo desde março de 2020, quando críamos que em quatro meses teríamos nossas vidas de volta, teríamos controlado o processo de transmissibilidade da pandemia e baixaríamos de maneira contundente a curva de mortes diárias, resultado direto da Covid-19.

Ainda que no Brasil, a curva de mortes diárias siga caindo, ainda é grande o número de pessoas dizimadas pela pandemia, por volta de 400 mortes diárias, o que nos faz ultrapassar a marca de mais de 161.000 mortes, até o dia 2 de Novembro de 2020, pelos dados oficiais do consórcio de imprensa.

Continua após publicidade

Para adicionar angústias ao nosso viver, acompanhamos com apreensão, o resultado da flexibilização europeia de verão, permitindo aglomerações, livre circulação sem uso de máscara entre outras medidas, e onde colhem-se os frutos dessa abertura. Na entrada do outono europeu, vive-se a segunda onda da pandemia, com número de novos casos na Itália, atingindo a marca de 28.244 pessoas contaminadas nas últimas 24 horas, desse dia 3 de novembro de 2020, cenário que se repete em outros grandes centros como Madrid, Londres, Viena, e outros, assim como em cidades do Leste Europeu.

Será que aprenderemos algo com isso?

Ou repetiremos o mesmo desmantelamento social e sanitário, já que estamos beirando o verão brasileiro, e com ele as grandes festas nacionais, como o Carnaval? Triste cenário de sombrio prognóstico.

Que as pessoas estão saturadas de seus isolamentos sociais, sim, isso é fato, mas daí a, irresponsavelmente, se “decretar”, por iniciativa própria, o fim de algo como a Covid-19, é domínio da insanidade e da absoluta falta de generosidade humana, adoecemos nosso rio psíquico e nossa saúde emocional, como no conto La Llorona, de origem mexicana.

Continua após publicidade

Desejo usar a metáfora contida nesse conto, como estratégia para refletirmos, e quem sabe, nos responsabilizarmos mais, por nossa saúde psíquica e relacional nesses tempos de pandemia que se prolonga a um momento que não delimitamos mais.

A fábula “La Llorona”: uma bússola em tempos de Covid-19

Há muitos e muitos anos, sirvo-me, com frequência, das valiosas lições ofertadas, generosamente, pela analista Junguiana Clarice Pinkolas Estés, em seu livro “Mulheres que correm com Lobos”.

A partir de um garimpo de 19 contos do mundo inteiro, Clarice “disseca” a psiquê, sobretudo, a psiquê feminina, mas a psiquê é maior que nossas aprendizagens culturais e de gênero, portanto, a sabedoria contida nos contos, se aplica a todos e todas, que a eles acorram.

Elegi o conto La Llorona, uma vez que a história se passa, nos tempos do processo de colonização espanhola do Novo México, e que guarda o processo exploratório, abusador e cruel de todas as colonizações, muito próximo ao nosso atual cenário de pandemia.

Conta-se numa versão mais antiga, que um fidalgo espanhol recém-chegado às suas novas terras, se enamora de jovem bela e pobre, nativa do Novo México. Dela se “apropria” e com ela tem dois filhos. Com o passar do tempo, é tomado por certo desamor pela jovem mulher, decide deixá-la, junto com os dois filhos, para voltar à Espanha, onde sua família escolhera uma esposa à sua altura, europeia, por suposto.

Ao comunicar tal desgraça à jovem, ela entra em luta corporal com ele, enfurecida e enlouquecida, e sob o domínio do desequilíbrio psíquico, mata os dois filhos, os lança no rio, que corre e banha as terras do fidalgo e em seguida, se atira ao rio, morrendo afogada.

Dizem os moradores locais que até hoje, se ouve o murmúrio da jovem mulher, ao cair da tarde, nas margens do rio, gemendo à procura de seus dois filhos.

Numa versão mais moderna do conto, temos outro cenário: um rico empresário poluía, com sua fábrica, o leito do rio que cercava suas terras.  Em dado momento de sua vida, se desposou de uma moça pobre, que engravida de duas crianças e ao beber da água poluída dos dejetos fabris do rio, provoca uma má formação em seus filhos, que nascem com os dedos das mãos e dos pés colados uns aos outros.

O empresário rejeita os filhos e a mulher e a manda embora de seus domínios. Ela enlouquece, o agride, mata os filhos, lança-os ao rio, se joga no rio, e se afoga. Até hoje é possível, ao cair da tarde, ouvir o murmúrio dessa mulher em busca de seus filhos.

Essa é nossa metáfora/bússola para pensarmos nosso processo de adoecimento do rio psíquico, também pelos dejetos nele lançados, pela Covid-19.

Processo ‘poluidor’ do rio criativo/saúde emocional

Em face de uma pandemia que se prolonga, acompanhamos o adoecimento psíquico das pessoas e de suas relações, tal moléstia atinge toda a cadeia do processo criador psíquico, iniciando seus danos pela inspiração, passando pelas concentração e organização psíquica, atingindo a capacidade de implementar e de manter uma vida psíquica em equilíbrio.

Ao comentar sobre os danos desse ‘processo poluidor do psiquismo’, Clarice, elenca os elementos que promovem o dano psíquico, que aqui enriqueço com a situação de nossa pandemia, ou seja, aparecem dejetos que inviabilizam nossa saúde emocional, são eles: 

A ‘Síndrome das Harpias” – como no conto grego, sempre que a comida é apresentada à Fineu, aparecem harpias que roubam a comida, ou estragam a comida, jogando excrementos no que sobra. Psiquicamente acompanhamos a todo um processo de desqualificação dos desejos, e de ‘complexos psicológicos negativos’ de menosprezo a qualquer talento pessoal ou esforço de criar algo ou se comprometer com algo; assim como a tendência em seguir vícios e compulsões que passam a se apresentar, sobretudo, na solidão do “isolamento social”. 

O ‘adiamento da criação’, as ‘desculpas’ para adiar qualquer plano que possa querer ser desenvolvido: ‘farei isso… quando a pandemia acabar; quando tiver emprego… quando me relacionar com alguém… quando concluir meus afazeres domésticos, os cuidados com esse ou aquele ser que precisa de mim… quando, quando…e esse quando nunca chega. 

 O condicionamento à ‘má nutrição da alma’- desesperança e negativismo são os nutridores do viver, nada me interessa, nada me atrai, nada funciona… (caminho oposto à proposta do profeta Jeremias de ‘querer trazer à memória, o que pode dar esperança’). 

A ‘dispersão pelo vento’, não priorizamos a elaboração, execução e manutenção do projeto criativo, e nos deixamos levar por ’qualquer vento’: como por exemplo, o ‘dilema das redes sociais’, o tempo dedicado às redes, criando adicções às tecnologias, e suas ‘demandas intermináveis’…Seguimos os ‘sons que dispersam a disciplina realizadora’, autorizando assim, a destruição do plano criativo.

Os processos de ‘autoengano e autossabotagem’: ‘optamos’ por nos enganar e nos ‘nutrir de mentiras e falsas ilusões’: do tipo, não está tão ruim assim… ninguém está fazendo nada mesmo… há pessoas sofrendo muito mais que eu…vivo privilégios que me acomodam na espera, não há nada mais a fazer ou a realizar…

A limpeza das águas do rio criativo/saúde emocional

Como sempre o faço, chegou a hora de identificar caminhos de transformação tudo o que se suja, pode ser limpo. Desta feita, também mora em nosso psiquismo’ o nosso antídoto, há uma parte psíquica denominada “animus”, ‘um guardião de nossa vida psíquica’, um ‘zelador de nosso bem-estar psicológico’, ele, contudo, precisa ser treinado, ensinado e ‘acompanhado’, por se fragilizar diante dos dejetos que são lançados, sistematicamente, no nosso rio psíquico. E há ‘tarefas’ que precisarão ser ensinadas ao ‘animus guardião do psiquismo”, são elas:

Aceite as ‘coisas boas que lhe chegam’, como elogios e palavras de reconhecimento, isso ‘repele o animus maligno’, o empresário do conto, que poluía as águas do rio.

Ofereça bons alimentos à sua vida psíquica: o tempo, a sensação de integração, a paixão e a soberania. Seja ‘sensível’ a tudo o que pode lhe ajudar: pensamentos, sentimentos e ações e seja movido (a) por determinação e paixão por seus desejos., mesmo em tempos medonhos de pandemia.

Seja ‘selvagem’ mostre os dentes, como fazem os lobos, diante dos predadores de seus sonhos e pensamentos e falas sabotadoras…

Comece e recomece suas ações tantas vezes quantas sejam necessárias, afinal: não é o fracasso o que nos detém, mas a nossa ‘relutância em recomeçar’, o que nos estagna, e à nossa Saúde Mental.

 ‘Proteja seu tempo’, que desafio hercúleo nesses tempos de vícios e compulsões tecnológicas…

‘Proteja sua alma, sua vida criativa e os cuidados com você’, em primeiro lugar: gaste menos energia com a vida do ‘outro’ que lhe rouba tempo, energia e empenho. Seja egoísta, em relação ao seu bem-estar, para depois poder ‘’ser solidário’.

Procure recuperar as informações sobre você e o seu ‘rio psíquico’, antes da poluição do rio (antes da pandemia), e use isso como ponto de partida para o “retorno do rio cristalino”.

E para terminar… 

Se nos dispusermos a recuperar e a limpar as águas poluídas de nosso psiquismo, também poluídas pela Covid-19, poderemos desenvolver nosso importante papel de ‘guardiões de nossa vida emocional saudável’, tratando a nossa alma atormentada (como a ‘Llorona’ do conto), e cuidando de nossos ‘filhos/desejos criativos’, e devolvendo a vida criativa e realização pessoal à nossa alma e relacionamentos, ainda que vivamos em tempos de pandemia prolongada. 

E para nos auxiliar, ainda mais, nessa jornada de ‘guardiões’ de nosso bem-estar psicológico, me utilizarei de um pensamento-guia que nos foi outorgado por Sêneca, grande pensador: “Portanto, a vida feliz é a que concorda com a sua natureza. Ora, isso não poderá ocorrer se, em primeiro lugar, a mente não for sã e não estiver em perpétua posse da própria saúde e, em seguida, corajosa, nobre, paciente e acomodada às várias situações. Ela deverá também cuidar, sem ansiedade, do corpo e do que se refere a ele, das coisas que adornam a vida, sem se deixar deslumbrar por nenhuma, e estar pronta a utilizar os dons, sem ser escrava deles.” (Livro: Da Vida Feliz. Sêneca. 2ª edição. SP: Editora Martins Fontes, 2009, p.9).