por Roberto D' Avila
Esta é a transcrição da quarta e última parte de uma entrevista concedida por Luiz Alberto Py ao jornalista Roberto D’Avila que comanda o programa Conexão Roberto D 'Avila na TV Brasil. O jornalista e o psicanalista cederam gentilmente a entrevista ao Vya Estelar.
Para ler a terceira parte – clique aqui.
Roberto D'Avila – A ideia de felicidade está associada a um destino de consumo, de apelo …
Luiz Alberto Py – É… que te hipnotizam, te seduzem com a ideia que você vai precisar daquilo para ser feliz. Roberto, pela primeira vez, depois de quarenta e quatro anos, eu não tenho carro. Neste ano vendi meu carro e não comprei outro. Agora ando de taxi e acho uma maravilha não ter que me aborrecer com nada: não tenho multa, não levo ponto na carteira, não tenho que gastar dinheiro com o carro, nem perder tempo para levar meu carro para botar gasolina, ar nos pneus, trocar óleo, não sou mais babá do meu carro. Estou muito feliz de não ter um carro, mas durante quarenta anos eu tinha que ter carro porque o carro na realidade era aquela coisa que, aos dezoito anos era uma maravilha, era um poder, um status, era tudo ter um carro. Depois ter uma caminhonete para colocar os filhos.
Hoje em dia é tão bom não ter um carro que você não faz ideia. Se você tiver alguma fábrica de automóveis te patrocinando vai ser um problema, mas, estou convencido que pode se desenvolver uma campanha – não tenha carro, táxi é barato. Eu ando de van e ando de táxi, de van é divertido, as pessoas conversam…
Roberto D'Avila – É uma pena que o transporte coletivo seja tão deficitário.
Luiz Alberto Py – Nem tanto! Eu pego uma van na Avenida Niemayer, vou para a cidade e quando chego ao centro fiz dois três amigos, a gente conversou.
Roberto D'Avila – Você mora no Rio é uma maravilha!
Luiz Alberto Py – Tem uma coisa amistosa entre as pessoas, apesar da violência, elas são soltas, elas conversam. Eu gosto de viver aqui. Eu não acredito na violência, eu não me deixo vencer pela violência. Naquela famosa segunda-feira quando os traficantes fizeram ameaças e fecharam o comércio na Zona Sul, eu mandei meus filhos para o colégio e fui para rua. Atendi meu consultório e olha! Todos os meus clientes chegaram antes da hora porque não tinha trânsito, chegaram cedo para a consulta.
Roberto D'Avila – O que acontece mais frequente no consultório? Que histórias você pode levantar de acontecimento humano interessante?
Luiz Alberto Py – Há uma constante em meu trabalho. Sempre coloco para os meus clientes assim: “Olha, você vai vir aqui enquanto você achar que vale a pena. Não tem alta, não tem baixa e se o que eu estou lhe oferecendo está compensando, teu trabalho, teu dinheiro, teu esforço você continua a vir, se não compensar mais você para.
Roberto D'Avila – O problema é que quando você procura um psicanalista, você está fraco.
Luiz Alberto Py – No começo a pessoa só vai continuar a vir se achar que teve uma melhora, se está compensando, se a relação está beneficiando, está sendo favorável. Então aí começa a existir uma coisa interessante que vai se construindo: uma amizade, uma camaradagem, um trabalho de cumplicidade entre psicanalista e analisado e isso é muito legal, isso a gente capitaliza para entender, para raciocinar e aí surgem muitas evoluções interessantes.
Roberto D'Avila – Acho a psicanálise uma das profissões que mais exige serenidade. Quando uma pessoa entrega sua alma para seus problemas, se a pessoa não estiver preparada ou não tiver uma fé muito grande para ajudá-la não é complicado?
Luiz Alberto Py – Eu vejo isso com clareza. Quando uma pessoa vem no meu consultório, sei que tenho uma responsabilidade enorme no sentido de oferecer para ela o melhor do meu esforço. Sou muito dedicado e acho que de todas as qualidades que um psicanalista tem que ter para trabalhar as mais importantes são inteligência, honestidade e dedicação. Tem de haver bom senso e seriedade, claro que ser honesto é ser confiável, eu quero que as pessoas confiem em mim, eu tenho que merecer essa confiança, realmente fazer o melhor.
Roberto D'Avila – Na sua época você fez formação, os psicanalistas faziam medicina. Hoje eles fazem psicologia. Não é muito superficial o preparo das pessoas às vezes?
Luiz Alberto Py – Foi ficando. Na época em que fiz formação psicanalítica eram exigidos da gente cinco anos de aula, seminários clínicos, duas terapias sob supervisão (a gente analisava dois clientes sendo supervisionado por um analista mais experiente) e no mínimo quatro a cinco anos de análise pessoal diária, quatro a cinco vezes por semana. Era uma formação muito controlada, havia muita exigência, muito rigor. Isso foi se banalizando. Hoje em dia tem curso de final de semana e tem por correspondência. A profissão nunca pode ser regulamentada porque todas as tentativas de regulamentar a profissão esbarravam na questão de se tornar ou muito restritiva, muito autoritária em cima do candidato a analista ou ao contrário, uma coisa muito permissiva. Então entre o autoritarismo e essa permissividade nunca se conseguiu chegar a um consenso que conseguisse estabelecer uma regulamentação da profissão. Aliás, acho que nunca foi regulamentada em nenhum lugar do mundo.
Roberto D'Avila – Essa banalização que aconteceu com a psicoterapia, ocorreu em outros setores da sociedade brasileira?
Luiz Alberto Py – É uma coisa que você sente que acontece no país e que cresce muito e que empobrece, ficou pobre e cada vez mais pobre e você sente que as coisas vão se banalizando, vão ficando mais baratas e mais vulgares. Acho que temos que lutar contra a corrente em relação a isso, porque não é só a psicanálise, o jornal, tudo foi se abastardando e ficando de pior qualidade e temos que procurar manter um nível aceitável de qualidade no que fazemos e no que consumimos. Ter qualidade é fundamental. Acho que é da responsabilidade de cada um e acho que por isso não me interesso pela regulamentação, pois a rigor cada um de nós tem que ser responsável pelas suas escolhas. Houve uma época aqui no Brasil quando os estados eram mais federados, que havia presidentes estaduais em vez de governadores…
Roberto D'Avila – A psicanálise é importante?
Luiz Alberto Py – Eu acho o seguinte, que o que aplicam é útil. A parte terapêutica da psicanálise é tratar a pessoa que está com problemas e até com dificuldades, é a parte do investimento, do aprimoramento do ser humano. Na verdade a gente trata aprimorando. É o aprimoramento que trata. Costumo dizer o seguinte: Eu não curo os defeitos, eu melhoro as qualidades e as qualidades vão neutralizar os defeitos. Essa é a vertente importante da psicanálise.
Agora, isso tem uma importância relativa, porque há cem anos não havia psicanálise e as pessoas viviam. A psicanálise é uma coisa a mais que apareceu nesses últimos cem anos, que dá oportunidade às pessoas de se aprimorarem. Ela é para a alma o que uma academia de ginástica é para o corpo. É a possibilidade de exercitar, de treinar o organismo, de tê-lo em melhores condições, um aprimoramento, uma melhora.
Roberto D'Avila – Você fez um pouco de filosofia?
Luiz Alberto Py – Nesse aprimoramento, nessa melhora você vai se perguntar coisas essenciais tais como: “o que é que eu estou fazendo nesse mundo?” “qual o meu sentido da vida?”, “qual o sentido da minha vida?”, “qual o meu valor importante?”, onde está minha felicidade, como ser feliz hoje? E não relacionar a felicidade a nada material.
Ontem eu percebi uma coisa muito curiosa conversando com um cliente: Em determinado momento ele disse: “Eu não consegui, eu não consigo!” Eu falei: “Espera aí, eu não consigo é uma coisa, não conseguir é outra! Quando você diz ‘Eu não consigo’ está dizendo que acredita não ser capaz de conseguir. Quando você diz ‘Eu não consegui’, está abrindo espaço para a expectativa de poder vir a conseguir.”
Essas sutilezas são importantes, a psicanálise lida exatamente com isso, com o poder a vir a conseguir, quer dizer, poder melhorar. Creio firmemente que sempre podemos melhorar um pouco, sempre há um lugar para a gente melhorar alguma coisa a cada dia e acho que é nisso devemos investir.
Com psicanálise ou sem psicanálise temos que buscar melhorar sempre, porque tem pioras que vem naturalmente com a idade, você vai ficando mais velho e a cabeça não funciona tão bem, o corpo não funciona tão bem. Então a gente tem que melhorar, dá para melhorar. Nosso funcionamento mental pelo menos…