Se para cada decisão a ser tomada se recorre a um coach, isso sinaliza que cada vez mais se abre menos espaço para pensar em nossas questões e encontrar uma resposta dentro de nós
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Clarice Lispector
Vivemos um momento importante de transformação social. Somos instados a nos comportar de forma adequada, exercer comportamentos de acolhimento em relação às minorias, aos esquecidos pela história, aos problemas do meio ambiente. Temos como norma de conduta o respeito ao diferente; o “politicamente correto” está à espreita, é importante estar atento e exercer com cuidado nossa responsabilidade social. Tudo isso é absolutamente necessário mas…Temos sido, muito intransigentes com nós mesmos; não estamos exercendo essa atitude de alteridade em nossas próprias vidas. Estamos presos em uma dicotomia na qual por medo de errar estamos terceirizando nosso conhecimento e, porque não dizer, nossas experiências.
Há um coach para cada dúvida ou problema que surgir
Explico: se tenho alguma dúvida em relação a meu guarda-roupa, consulto o consultor de imagem, se meu bebê tem problemas para dormir, acesso o especialista em sono, se o problema for amamentação há também vários coachs disponíveis. Há um sem-número de especialistas, coachs ou treinadores para cada problema que surgir. Há o coach de carreira, de estilo pessoal, de investimento, de planejamento financeiro, de fitness, de alimentação, de meditação. Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo” dizia que haveria uma pílula para cada doença. Podemos dizer hoje que há um consultor para cada desafio, há uma ajuda especializada para cada problema que surgir no caminho.
E o que é um problema que surge no caminho?
Parece que não estamos conseguindo abrir espaço para pensar em nossas vidas, em nossas questões e encontrar dentro de nós uma resposta que seja a nossa resposta, ou a melhor resposta para cada um de nós, neste momento. Estamos tão pressionados, que nos tornamos fracos, quase infantis, crianças buscando respostas que indiquem o verdadeiro caminho. Tememos assumir nossas próprias decisões, não conseguimos dedicar tempo a pensar, pesquisar, trocar e então decidir por nossa conta e risco qual a melhor forma de seguir em frente. Não conseguimos identificar qual o “defeito que sustenta nosso edifício inteiro” e deixá-lo lá, acolhê-lo com carinho e sabedoria, reconhecendo sua importância.
Experts nas redes sociais cobram caro para nos dar aquela resposta que tanto procuramos
As redes sociais estão repletas de “novos salvadores”, um infinito número de experts que divulgam através de várias mídias a resposta definitiva a cada um dos problemas pelos quais cada um de nós passa, cobrando bem caro por isso. Em busca da verdade única, aquela que dará enfim, sentido à nossa existência, entregamos no altar das redes sociais nossa consciência, nossa atenção, nossa disposição. O que era virtual, tornou-se real. O simbólico foi substituído pelo literal!
Qual é a saída?
A saída passa pela capacidade de autocuidado, pela possibilidade de dar um passo atrás, ou além, e abrir espaço para uma reflexão interna, cuidadosa. O mundo lá fora não é melhor ou pior que o meu mundo, os especialistas não têm todas as respostas, não sabem o que é melhor para nós. A busca pela perfeição pode levar à destruição daquilo que é o mais verdadeiro e genuíno em nós mesmos. Não podemos, como crianças, entregar toda nossa vida, esperando que o outro, o de fora, nos conserte, nos oriente, nos leve pela mão. Apenas a luz de nossa consciência pode nos ajudar nesta trajetória e há que cuidar para que ela continue brilhando nestes momentos de tempos tão escuros.